O “hominicídio” nuclear

Publicado em 7 de abril de 2014 no IHU.

Nos 35 anos (28 de março de 1979) desde a explosão e fusão na Three Mile Island, houve um caloroso debate sobre se provocou a morte de seres humanos. Em 1986 e 2011, Chernobyl se somaram à discussão. Cada vez que ocorrem estes desastres há quem diga que os trabalhadores, moradores e contingentes militares expostos à radiação estão bem.

Fonte: http://bit.ly/1dYJASt

A reportagem é de Harvey Wasserman e publicada no sítio Truth Dig, 01-04-2014. Wasserman é o editor do Nukefree.org e é o autor do livro Solartopia! Our Green-Powered Earth. A tradução é de André Langer, a partir da versão espanhola, publicada no sítio Rebelión.

Evidentemente, nós sabemos isso melhor. Nós, os seres humanos, não pulamos num tanque com água fervente. Não estamos contentes quando os membros da nossa espécie começam a morrer ao nosso redor. Mas, as novas e aterradoras descobertas científicas nos obrigaram a considerar uma realidade maior: o dano que a contaminação nuclear pode provocar a todo o ecossistema global.

Quando se trata de nossos sistemas de apoio mais amplos, a indústria corporativa da energia conta com que nós toleraremos a radiação de nossos semelhantes, dos quais dependemos, e com que permaneceremos adormecidos até que seja muito tarde para dar marcha à ré.

Um exemplo claro é um novo relatório do Smithsonian sobre Chernobyl, um dos documentos mais terríveis da era atômica.

Escrito por Rachel Nuwer, “As florestas dos arredores de Chernobyl não evoluem adequadamente”, cita recentes estudos de campo que mostram que o ciclo normal de decomposição da vegetação morta no solo foi interrompido pela contaminação radioativa causada pela explosão do reator. “Os agentes de decomposição – organismos como micróbios, fungos e alguns tipos de insetos que aceleram o processo – também sofreram devido à contaminação”, escreve Nuwer. “Essas criaturas são responsáveis por um componente essencial de qualquer ecossistema: a reciclagem da matéria orgânica do solo”.

Dito com outras palavras, os microorganismos que formam o núcleo ativo do nosso ciclo biológico e ecológico aparentemente se esgotaram deixando troncos mortos, folhas, dejetos e outra vegetação sobre o solo misteriosamente inteiros, essencialmente num estado de mumificação.

Há relatórios que também indicam uma redução significativa do cérebro dos pássaros da região e impactos negativos nos insetos, e na flora e fauna.

Conclusões semelhantes cercaram o acidente de Three Mile Island. Em um ano, uma equipe de três jornalistas do Baltimore News-American catalogou os massivos impactos da radiação em animais selvagens e de granja na zona. Os jornalistas e o Departamento de Saúde da Pensilvânia confirmaram um dano generalizado em pássaros, abelhas e grandes animais domésticos como os cavalos, cuja taxa de reprodução caiu no ano seguinte ao acidente.

Outros relatórios também documentaram vegetação deformada e animais domésticos nascidos com grandes mutações, inclusive um cachorro nascido sem olhos e gatos sem senso de equilíbrio.

Até a presente data, os proprietários de Three Mile Island afirmam que nenhum ser humano morreu por radiação, uma afirmação energicamente discutida por pessoas que vivem na região que se encontram na direção do vento.

A doutora Alice Stewart estabeleceu, em 1956, que uma única radiografia em uma mulher grávida duplica a probabilidade de que seu filho tenha leucemia. Durante o acidente de Three Mile Island, os proprietários alardearam que a radiação da fusão foi equivalente “apenas” a uma radiografia aplicada em todos os moradores da área.

Enquanto isso, se a contaminação transportada pelo ar de Three Mile Island e Chernobyl pôde provocar este tipo de dano em bebês e à população não humana, como está afetando o contínuo vazamento de água radioativa aos sistemas que mantêm a vida de nossos oceanos?

De fato, amostras de 15 atuns pescados na costa da Califórnia indicam que todos foram afetados pela contaminação de Fukushima.

Rapidamente, como sempre, a indústria considera que níveis semelhantes não são prejudiciais. As comparações obrigatórias com a vida em Denver, os voos de costa a costa e o consumo de bananas aparecem automaticamente.

Mas, o que essa radiação provoca nos atuns? E nos camarões, nos fitoplânctons, nas algas, nas amebas e em todos os demais microorganismos dos quais depende a ecologia do oceano?

O césio e seus similares de Fukushima já são mensuráveis no Alasca e no nordeste do Canadá. Chegarão à Califórnia neste verão. Os meios corporativos se rirão dos pais que seguramente aparecerão nas praias com detectores de radiação. As preocupações com o efeito nas crianças serão alegremente descartadas. Como sempre, as doses são consideradas “muito pequenas para ter algum impacto sobre os seres humanos”.

Mas, persistem os relatórios sobre uma “zona morta” a milhares de quilômetros no Pacífico, junto com o desaparecimento de salmões, sardinhas, anchovas e outra fauna oceânica.

Evidentemente, os reatores atômicos não são a única frente de contaminação radioativa. Ensaios atmosféricos de bombas nucleares de 1945 a 1963 aumentaram os níveis de radiação em toda a ecosfera. Esses isótopos ainda estão entre nós.

A queima de carvão expele ainda mais radiação no nosso ar, junto com o mercúrio e outros contaminantes letais. A fratura hidráulica do gás joga toxinas na crosta terrestre.

Apologetas da indústria dizem que os reatores podem moderar o caos climático causado pela queima de combustíveis fósseis. Mas, combatê-lo com a energia atômica é como tratar de curar uma febre com uma dose letal de raio X.

Em um planeta aquecido, envenenado, o impacto sinérgico de cada novo golpe radioativo se multiplica. Todas as doses são overdoses.

Em 1982, o almirante Hyman Rickover, fundador da marinha nuclear, disse-o desta maneira:

“Até há cerca de dois bilhões de anos, era impossível ter alguma vida na terra; ou seja, havia tanta radiação sobre a terra que tornava a vida impossível – peixes ou alguma outra coisa.

Gradualmente, há cerca de dois bilhões de anos, a quantidade de radiação sobre este planeta… reduziu-se e possibilitou que se iniciasse alguma forma de vida, e começou nos mares…

Agora, quando voltamos a utilizar a energia nuclear, estamos criando algo que a natureza tratou de destruir para possibilitar a vida…

Mas toda vez que se produz radiação, produz-se algo que tem vida, em alguns casos durante bilhões de anos, e penso que então a raça humana estará arruinada, e é muito mais importante que obtenhamos o controle dessa horrível força e tratemos de eliminá-la.”

Conhecemos, graças à Dra. Alice Steward os perigos de mesmo uma única radiografia para uma pessoa grávida. E graças ao Dr. John Gofman, ex-médico chefe da Comissão de Energia Atômica, que a energia nuclear é um instrumento de ‘assassinato em massa premeditado’.

Em Three Mile Island, a vegetação mutada, as mortes de animais e de bebês humanos seguem fazendo parte da história imutável.

Chernobyl ainda carece de um sarcófago permanente, deixando que a área circundante seja vulnerável à contínua infiltração de radiação. Fukushima verte diariamente mais de 300 toneladas de água radioativa ao Pacífico. Os vazamentos seguem fluindo aos borbotões em mais de 400 reatores em todo o mundo. O próximo desastre já está em andamento.

A boa notícia é que as mesmas tecnologias de energia verde que podem enterrar o poder nuclear podem levar consigo os combustíveis fósseis. Criam postos de trabalho, lucros, harmonia ecológica e paz. Encontram-se em uma pronunciada trajetória para um sucesso épico.

Enquanto os isótopos letais da indústria dos reatores aniquilam os nossos ecossistemas, de cima a baixo, a nossa tolerância para essas “doses seguras” baixa para zero. Possivelmente, não causam uma morte instantânea, mas o grande relógio biosférico está marcando a hora. Temos que agir.

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