Carta do Monge Sato do templo Honpa Hongwanji à Presidenta Dilma

 

Exma Sra Dilma Roussef

Digníssima Presidenta

Republica Federativa do Brasil

Brasília, 5 de setembro de 2013.

Eu me dirijo à senhora, muito preocupado com o encontro que teve com o Primeiro Ministro Abe em San Petersburgo, Rússia, na reunião dos G-20, em que um dos temas tratados teria sido o Acordo de Tecnologia Nuclear entre o Brasil e o Japão.

Sou brasileiro, pai brasileiro e mãe japonesa.  Já como professor de economia na USP, fui discriminado pela ditadura que então se instalava, exilei-me no Chile do Allende e preso no Brasil, ao retornar. Participei da fundação do PT e da formação dos primeiros governos democrático-populares. Hoje sou monge budista, sem renegar o passado e cônscio das potencialidades e limitações das ações governamentais e condicionantes internacionais.

Estive em Fukushima várias vezes. Minha mãe é de lá, tendo sido um irmão seu – enquanto governador daquela província – o responsável pela instalação da primeira usina nuclear japonesa.

Neste ano, fui a Fukushima especialmente no segundo aniversário da tragédia ocorrida no dia 11 de março de 2011. Embora lá tenha estado também no ano passado, desta vez a impressão foi tão forte que me marcou como um divisor de águas para pensar o futuro da humanidade.

O que eu vi parecia tranquilo, os estragos do terremoto e tsunami já em reconstrução e pude ir até perto da usina nuclear que explodiu, mesmo correndo o risco de radiação acima do limite de perigo.  Só estranhei a expressão das crianças que vi no caminho, muito quietas e apáticas.  Entretanto, entrevistando os adultos diretamente afetados, eles expressaram angustia e desesperança.  Conversando com pessoas que continuavam em atividades de apoio e solidariedade, senti certo ar de conformação e impotência.  Mas, ouvindo os empresários, burocratas e políticos, percebi muita falsidade e hipocrisia.

Angustia e desesperança, conformação e impotência expressam a crise da civilização, o fosso que se abre entre o formidável avanço científico-tecnológico e a organização socioeconômica ineficiente e imoral que fomenta a falsidade e a hipocrisia.  Passando por cima da tradição cultural e comunitária, isso está acontecendo com o Japão, apesar de ser hoje um dos países mais ricos do mundo.

O Japão ainda não resolveu a questão das usinas nucleares sob nenhum ponto de vista, que seja técnico, social ou econômico.  Não é só Fukushima que continua vazando por ar e pela água e provoca apreensão mundial, mas toda a nação está preocupada, insegura e desconfiada com as quase 50 usinas nucleares espalhadas pelo país.  A crítica sobre o próprio sistema de produção e consumo, assim como do modelo energético, está aumentando.

Quase cem entidades civis no Japão estão questionando a intenção do Acordo Nuclear com o Brasil e aqui, nacionalmente, muitos movimentos estão se organizando.  Isso terá repercussão no mundo todo em que as usinas nucleares estão sendo fechadas ou cerceadas devido a sua periculosidade atual ou potencial.   Ou o Brasil está comprando gato por lebre empurrado e influenciado por corporações inescrupulosas que só visam o lucro até na venda de projetos imprestáveis e exportação de reatores perigosos e colocados em desuso, ou há interesse em desenvolver aparatos bélicos nucleares que lembrem Hiroshima e Nagasaki?

O povo japonês está sofrendo e pagando muito caro por tudo isto.  O nosso povo não precisa passar por esse sacrifício.  Já se comprovou que a geração nuclear não é limpa nem segura e, do ponto de vista econômico, depende de muitos subsídios e seguros caríssimos que assegurem o retorno do investimento – mais que o dobro do custo da própria geração da energia – sempre custeados pelos contribuintes.  É nisto que as corporações estão interessadas.

Além disto, a mineração de urânio é sabidamente nociva para a saúde dos trabalhadores e polui o meio ambiente, o armazenamento do combustível irradiado é perigoso por mais cuidado que se tome até porque não tem cheiro nem cor e o dejeto nuclear decorrente, por mais profundo que seja o buraco onde joguemos, os seus efeitos radioativos fatais são quase eternos.   E a maldade humana em querer experimentar as armas nucleares?

Não há nada de bom para herdarmos esse fantasma para as futuras gerações.

No mundo todo está aumentando o uso de energias renováveis e a tendência é que em 2050 já seja de 80%.  Muitas alternativas estão se desenvolvendo rapidamente com o extraordinário e rápido avanço da ciência e tecnologia como fez os agilíssimos PCs a substituir os pesados mainframes, o acessível e universal e-mail a tornar obsoleto o envio de cartas pelo correio.  E o Brasil dispõe de muito sol e brisa, além da capacidade e potencial de pesquisa e desenvolvimento!

Escrevo à senhora como presidenta fadada a levar o Brasil ao equilíbrio econômico e social como coloca-lo no caminho da liderança em desenvolvimento qualificado e pacífico.  Nisto o Japão pode colaborar em muitos aspectos e nós sermos solidários com o seu sofrimento atual.  Lembro também que foi a senhora que instituiu o Dia Nacional do Buda pela Lei No. 12.623 de 09 de Maio de 2012, tornando-se benfeitora do budismo que sempre pregou paz, equilíbrio e Bem Aventurança pelo mundo.

Atenciosamente.

NAMASTE – NAMANDABU

 

Monge Ademar Kyotoshi Shôjo Sato

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