Memória curta

Publicado:
 

Há apenas dois anos, o mundo assistia perplexo a mais uma demonstração dos perigos da energia nuclear. O terror provocado pelo desastre de Fukushima ainda está vivo na memória das pessoas. Mas os burocratas brasileiros preferem ignorar as lições aprendidas e, na contramão do resto do mundo, querem tirar da gaveta um projeto de expansão da energia nuclear.

Antes de alarmar a população com ameaças de apagões e com a necessidade de se diversificar a matriz energética brasileira — argumento que vem sendo utilizado para justificar o investimento em novas usinas nucleares —, cabe avaliar a herança maldita de Fukushima e discutir se os brasileiros estão dispostos a assumir esse risco.

Por conta do desastre, o Japão conta atualmente com 160 mil refugiados e níveis graves de contaminação que impedem as pessoas de voltarem aos seus lares. O custo do acidente alcança R$ 400 bi, o equivalente a praticamente todo o custo de instalação da matriz elétrica brasileira, construída ao longo de mais de cem anos.

Deste montante, R$ 60 bi já foram repassados aos contribuintes japoneses, enquanto as operadoras das centrais nucleares arcaram com apenas R$ 3 bilhões. A indústria nuclear não tem responsabilidade sobre esse ônus e transfere as perdas para o Estado e os contribuintes. Prova disso é que a Tepco, operadora de Fukushima, foi estatizada. E a GE, a Hitashi e a Toshiba, fabricantes dos reatores, não pagaram nada, mesmo tendo responsabilidade por falhas de engenharia que permitiram o acidente.

Os japoneses, porém, foram capazes de tirar lições de seus erros. O país vem compensando o desligamento de 50 de suas usinas com investimentos em energia solar e eólica. O próprio distrito de Fukushima já planeja o maior parque eólico offshore e a maior usina solar do mundo.

Outros países amadureceram a discussão e reviram seus planos nucleares. Na Europa, há apenas uma usina sendo planejada na República Tcheca. Nos EUA, a competitividade do gás natural tem forçado a aposentadoria precoce de usinas nucleares, como a de Kewaunee, desligada 20 anos antes do fim de sua vida útil.

A Alemanha foi outro país que desistiu da energia nuclear para investir em renováveis. Dois terços de sua atual matriz elétrica têm origem em renováveis. Os alemães também desistiram de ser avalistas do empréstimo que permitiria ao Brasil instalar seu terceiro reator nuclear, forçando o governo a lançar mão de recursos da Caixa para dar continuidade às obras de Angra 3.

Com abundantes recursos para gerar energia de forma limpa e segura, além da capacidade de se tornar uma potência com matriz 100% renovável, o Brasil não pode cometer o erro de outras nações. Resta-nos apenas questionar: quem ganha com a energia nuclear? Já está claro que não são os brasileiros.

Sérgio Leitão e Ricardo Baitelo são membros do Greenpeace Brasil

Esta entrada foi publicada em Textos para Reflexão. Adicione o link permanente aos seus favoritos.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *


*