Rejeitos radioativos: uma estocagem para a eternidade

Publicado em 7 de fevereiro de 2013 no Le Monde.

Le Monde – 05.02.2013 à 11h02. Publicado em 07.02.2013 à 9h55

Pelo Enviado Especial Pierre Le Hir – Bure (Meuse).

Em sete minutos de descida vertiginosa, o estreito elevador mergulha 490 metros sob a terra, no sub solo do vilarejo de Bure, nos confins das regiões da Meuse e da Haute-Marne. É neste lugar, no meio de uma camada de argilite de 120 metros de espessura, que a Agência Nacional para a Gestão dos Resíduos Radioativos (Andra) instalou um laboratório de estudos sobre como enterrar os resíduos mais perigosos da indústria nuclear francesa.

Nessa formação de argila, alguns quilômetros mais longe, a Agência prevê a construção de um Centro Industrial de Estocagem Geológica (Cigeo). Um gigantesco cemitério nuclear de 15 km2 de galerias e de alvéolos, nos quais os radioelementos deverão permanecer confinados por toda a eternidade, ou quase: a duração de suas vidas se conta em centenas de milhares de anos, para alguns em milhões de anos.

Antes disso, várias etapas deverão ser vencidas. Neste ano haverá um debate público, que deve durar quatro meses, e diz respeito sobretudo aos habitantes dos departamentos da Meuse e da Haute-Marne. Seu calendário e sua abrangência serão anunciados quarta feira 6 de fevereiro. Depois, em 2015, será feita uma consulta pública para autorização.  Em princípio, o canteiro poderá começar em 2019 e funcionar em 2025.

“LIXO NUCLEAR”

Cada uma dessas consultas se anuncia movimentada. A ministra da Ecologia, do Desenvolvimento Sustentável e da Energia, Delphine Batho, que veio visitar o laboratório de Bure e presidir o alto comitê – uma estrutura destinada a « mobilizar os operadores da cadeia (EDF, Areva e o CEA) implicados no desenvolvimento econômico local » –, teve uma amostra do que pode ser esperado.

A ministra foi recebida por uns quarenta opositores ao « lixo nuclear », que agitavam cartazes proclamando:  « Expulsem a Andra de meu planeta! » ou « Arar a terra, sim, enterra lixo, não! ». Ela prometeu « transparência e democracia », ao mesmo tempo em que reafirmava que a estocagem geológica é « a solução de referência. ».

O Cigeo (*), para o qual a Andra (*) delimitou uma zona subterrânea de 30 km2 na Meuse, será dimensionado para receber os 10.000 m3 de rejeitos de alta atividade e os 70.000 m3 de rejeitos de média atividade e longa vida produzidos durante a exploração do parque nuclear francês atual, e provenientes sobretudo do reprocessamento do combustível usado.

« REVERSIBILIDADE » DURANTE CEM ANOS

A lei de 2006 previu que durante cem anos essa estocagem seja « reversivel », ou seja, que os pacotes possam ser retirados para deixar às futuras gerações a opção de modos de gestão diferentes e, para tanto, a instalação só poderá ser definitivamente selada em 2125.

Quarenta e quatro associações pediram ao presidente François Hollande que o debate público sobre o Cigeo (*) seja adiado para depois do debate nacional sobre a transição energética. A agenda resultante desse para o parque nuclear poderia, de fato, mudar o cenário.

A Andra (*) calculou que, se os reatores atuais fossem fechados depois de quarenta anos de funcionamento, e não de cinquenta anos como prevê a EDF, o volume de rejeitos de alta atividade subiria para 93.000 m3. E isso porque seria preciso suspender a reciclagem do combustível usado, que não poderia mais ser transformado em combustível MOX. Neste caso, seria preciso ou ampliar o Cigeo (*), ou adaptar um novo local para o enterrar o lixo. Sobre o calendário do debate público, Mme. Batho deseja « uma articulação » com o calendário que trata da transição energética.

Os opositores estimam, por outro lado, que « os riscos geológicos – movimentos de terra, terremotos, falhas, inundações – são minimizados ». No início, um outro tipo de argila deveria também ser estudado, no departamento de Gard, assim como o granito, no departamento de Vienne, mas essas alternativas foram abandonadas e as pesquisas só serviram para validar a escolha unicamente da argila da Meuse. Os « anti-Bure » apontam ainda o perigo de uma combustão, devido ao betume presente em alguns pacotes, e de uma explosão de hidrogênio. A Andra (*) assegura que tanto um como outro « estão sendo considerados».

36 MILHARES DE EUROS

A ministra também teve que ouvir as recriminações dos eleitos. « Nós demos o nosso acordo para o laboratório, não para enterrar o lixo », lembra o senador Christian Namy, presidente do conselho geral da Meuse. Para o seu departamento tanto quanto para o da Haute-Marne, o laboratório representa uma sorte grande: uma bolada anual de 30 milhões de euros.

Do Ciegeo (*), os eleitos esperam mais: « Não somente os rejeitos, mas também a inteligência do nuclear », ou seja um verdadeiro « desenvolvimento de seus territórios », além dos 2.000 empregos previstos durante a construção e dos outros 1.000 esperados durante a exploração. Mme. Batho anunciou a nomeação de um sub-prefeito que terá como uma das tarefas zelar sobre as consequências econômicas.

Resta uma incógnita: o custo final do mausoléu nuclear que, de 16,5 bilhões de euros em 2005, já passou para 36 bilhões de euros.

Um concentrado radiotóxico

Estocagem Os pacotes que serão enterrados no centro industrial de estocagem geológica (Cigeo) só representam 3% do volume de resíduos nucleares franceses, mas concentram mais de 99% de sua radioatividade.

Alta atividade Esses resíduos provém da reciclagem dos combustíveis usados. Pode-se encontrar produtos de fissão e de ativação, e actinideos menores, como o meptunium 237, cuja radioatividade é reduzida pela metade ao fim de dois milhões de anos. Em 2030, seu volume será de 5.300 m3.

Média atividade a longa vida Esses rejeitos vem das varetas e do tratamento dos combustíveis usados, assim como do descomissionamento das instalações nucleares. Em 2030, haverá 49.000 m3.

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(*) [n.d.t.]

ANDRA – Agencia Nacional para a Gestão dos Resíduos Radioativos

AREVA –  é a empresa  de energia nuclear francesa

CIGEO – Centro Industrial de Estocagem Geológica

EDF – Eletricidade da França

 

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