Desastre permanente

Fonte: Folha de São Paulo
Coluna de sexta-feira de Marina Silva

14/09/2012 – 03h30
 
Ontem, completaram-se 25 anos do acidente com o césio-137, em Goiânia. Nesse tempo, o sofrido aprendizado brasileiro com os perigos da energia nuclear não chegou a completar-se e já começa a ser esquecido. São tristes os relatos das vítimas: além das doenças causadas pela contaminação, ainda enfrentam o preconceito da sociedade e a precariedade da assistência do Estado.
 
É necessário lembrar: o acidente radiológico em Goiás mostrou a falta de informação e preparo da população e das autoridades para lidar com os riscos de contaminação radioativa. Um equipamento hospitalar foi desmontado num ferro-velho, como se fosse um eletrodoméstico comum. Levou duas semanas para que a situação de contaminação fosse reconhecida. Ninguém sabia exatamente quais medidas de proteção à saúde pública deveriam ser tomadas.
 
Outro caso, emblemático. Trabalhadores da antiga empresa Nuclemon Mínero-Química, um depósito de lixo radioativo localizado na zona sul de São Paulo, também lutam por justiça. Eles não sabiam e tampouco estavam protegidos da exposição a substâncias altamente tóxicas e radioativas. A descontaminação da área só começaria 18 anos depois da desativação da fábrica.
 
No Brasil, as tragédias, muitas vezes, são tratadas como os escândalos da política: passada a comoção inicial, as reportagens anuais relembram o assunto com impacto cada vez menor, enquanto falta transparência sobre os atos das instituições responsáveis.
 
E o desastre é permanente em algumas situações. A Plataforma Dhesca aponta inúmeros problemas na mineração de urânio em Caetité, na Bahia, onde funciona a Unidade de Concentrado de Urânio das Indústrias Nucleares do Brasil.
 
Quem toma providências? O Brasil é um dos poucos países em que a mesma instituição – a Comissão Nacional de Energia Nuclear – é responsável, ao mesmo tempo, pela fiscalização e pelo fomento às atividades nucleares. Foi anunciada uma reestruturação, mas isso ainda não aconteceu.
 
A Coalizão por um Brasil Livre de Usinas Nucleares vem denunciando e cobrando a falta de informações sobre a situação dos materiais radioativos no país e os planos de segurança das usinas existentes. Há um projeto de lei em tramitação na Câmara para a realização de um plebiscito pelo fim das usinas nucleares no Brasil. Não seria uma boa ocasião para a sua aprovação?
 
Após tragédias na antiga União Soviética, nos EUA e no Japão, o mundo reconhece que a energia nuclear representa um risco muito grande. O Brasil não precisa de outra trágica experiência para tomar consciência sobre esse risco. A césio o que é de césio – em poucas palavras, noção de perigo, responsabilidade e precaução.
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