Fukushima é um pesadelo do desastre, e ninguém tem a menor ideia do que fazer. O jogo consiste em prevenir que a devastada usina se transforme em um reator a céu aberto, o que resultaria em uma grande catástrofe.
Em vinte e cinco de Abril de 2011, um mês depois do acidente na usina nuclear de Fukushima e do aniversário de Chernobyl, eu fui entrevistado por RT e questionado a comparar os dois acidentes. O vídeo, que você pode assistir no youtube, foi intitulado “Não se pode lacrar Fukushima como Chernobyl – vai tudo para o oceano.”
Desde então, grandes quantidades de radioatividade têm escorrido dos destroços dos reatores diretamente para o Pacífico. As tentativas de estancar o fluxo de água contaminada, de Fukushima para o mar, nunca obtiveram o devido sucesso. É como tentar empurrar água colina acima. Agora parece que todos tomaram conhecimento do problema e começam a entrar em pânico.
O problema é o seguinte: o processo de fissão em um reator gera grandes quantidades de calor. Essa é a lógica do processo: o calor gera vapor que movimenta a turbina. Água é bombeada por canais entre os dutos de combustível, o que os resfria e aquece a água. Se não há água, ou se os canais estão bloqueados, o calor derrete o combustível transformando-o numa grande bolha que desce para o fundo do recipiente de aço onde tudo isso ocorre, abrindo caminho em direção à China (bem, não é a China, mas Buenos Aires, nesse caso).
Eu tenho ficado de olho no caso e é muito claro que os reatores não estão mais contendo o combustível fundido – do qual grande quantidade está agora alojado no subsolo. Ambos esse material e o que sobrou estão muito quentes e estão entrando em fissão. A Tepco está bem ciente – assim como todos de olho no caso – de que a única esperança de prevenir o que seria um reator a céu aberto é resfriar o combustível, as massas de combustível distribuídas pelo sistema, principalmente nos recipientes furados e também nos tanques de combustível e no subsolo.
Está tudo entrando em fissão, claramente pela atuação de núcleos de meia-vida curta como o Radio xênons. O jogo é prevenir que todo esse processo fique exposto a céu aberto. Para isso eles têm que bombear vastas quantidades de água para dentro dos reatores, para o tanque de combustível e geralmente por toda a área onde eles achem que a coisa possa estar. Significa usar água do mar já que, felizmente, eles estão perto do mar. Mas o problema é que não se pode bombear água do mar para a terra sem que ela tenda a voltar para o oceano.
Uma grande proporção dos elementos radioativos, os radio núcleos, é solúvel em água. O Césio 137 e 134, Estrôncio 89 e 90, Bário 140, Rádio 226, Lídio 210, Rutênio e Ródio, Prata e Mercúrio, Carbono e Trítio, Iodo e gases nobres como Crípton e Xênons dissolvem-se facilmente nos oceanos. Há também a possibilidade de que os normalmente insolúveis Urânio, Plutônio e Neptúnios irão em algum grau se dissolveram no mar por causa do íons clóricos. Se isso não ocorrer, os mícrons e as nano-partículas desses materiais vão se dispersar na água como suspenções coloidais. Assim, boa parte dessas coisas vão para o mar. Claro, muito do estardalhaço está sendo feito pelos americanos que estão do outro lado do pacífico. “Que injustiça que os Estados Unidos possam sofrer por causa da questão japonesa”, eles pensam. Também sentem, por trás disso tudo, um nível de medo. E deveriam, já que foram os seus reatores fajutos que explodiram.
Ouvimos que 400 toneladas de água altamente radioativa está escapando das barreiras que a Tepco ergueu e atingindo o oceano. O primeiro ministro japonês Shinzo Abe, disse em 7 de agosto que “estabilizar Fukushima é o nosso desafio”. A Tepco anunciou, “Isso é extremamente sério – não temos condições barrar o vazamento de água da usina de Fukushima”. CNN citou os experts da indústria dizendo que a “Tepco falhou em lidar com o problema…[os epxerts] questionam a habilidade da Tepco em desativar a usina de modo seguro.”
Tem algumas coisas que eu queria dizer sobre tudo isso. Primeiramente sobre o inevitável discurso manipulador, algo que vemos na mídia desde que o desastre ocorreu.
Desativar a usina requer alguma calma e um processo científico ordenado semelhante ao de aposentar e esvaziar um velho reator que esgotou sua vida útil. A mídia propaga a imagem de um sábio engenheiro nuclear em seu jaleco branco de laboratório, consultando algum documento, discutindo alguma questão om um trabalhador em um macacão brilhante com o logotipo da Tepco e um capacete branco. A verdade é que Fukushima é um pesadelo para o qual nunca se soube a solução. Tudo que eles podem continuar a fazer é bombear água dos oceanos para impedir que o o combustível derretido continue aumentando sua taxa de fissão. E rezar. A água certamente vai voltar ladeira abaixo trazendo os rádio núcleos. Claro que se pode construir barreiras ao redor da usina, mas a água eventualmente vai transpor o anteparo. Toda essa água vai criar um pântano encharcado que irá desestabilizar as estruturas dos prédios dos reatores, que então vai ruir e dificultar ainda mais a refrigeração. Eis o espetáculo. E tudo isso é perfeitamente previsível.
Vejamos alguns números. Quatrocentas toneladas de água contaminada estão afluindo para o mar. Isso corresponde a 400 metros cúbicos. Dentro de um ano teremos o equivalente a 146.000 metros cúbicos, uma lagoa de 120 metros quadrados e 10 metros de profundidade. O processo continuará eternamente, a cada ano teremos uma nova lagoa desse porte, a menos que se consiga retirar todo o material radioativo. Mas aqui jaz outro problema, já que não se pode chegar perto o suficiente do local por causa dos altos níveis de radiação. A água em si é letalmente radioativa. Os níveis de radiação Gama são extremamente elevados e ninguém pode se aproximar sem ser frito.
Qualquer um vivendo a 1Km de Fukushima deve abandonar o local
Mas eu quero abordar dois outros pontos. Primeiramente que o oceano pacífico é suficientemente grande para que esse nível de contaminação não represente a catástrofe global que alguns preveem. Vamos ter algum escopo sobre o assunto. O volume do Pacífico Norte é 300.000 mil quilômetros cúbicos. O inventário total dos quatro reatores de Fukushima Daiichi, incluindo suas piscinas de combustível irradiado, é 732 mil toneladas de urânio e plutônio do combustível que é, em grande parte, insolúvel em água do mar. O inventário – emtermos de meia-vida média dos núcleos de importância radiológica (Cs-137 , Cs-134 e estrôncio-90) é de 3 x 1.018 becquerel (Bq) cada. No total temos cerca de 1.019 Bq. Se dissolvermos essa quantidade toda no Pacífico temos uma concentração média de 33 Bq por metro cúbico – o que não é bom, mas também náo é letal.
Evidentemente isso é ridiculo uma vez que o acidente lançou menos de 1017 Bq desses núclídeos combinados, e mesmo que tudo isso termine no mar (o que certamente acontecerá), a diluição total resultará em um total de 1 Bq por metro cúbico. Dessa forma, as pessoas na California podem relaxar. Na verdade, a contaminação dessa região, e do resto do mundo, pela poeira dos testes com armas nucleares em 1959-1962 foi bem pior, resultando numa epidemia de câncer iniciada em 1980. As epxlosões atmosféricas de megatons espalharam radioatividade pela estratosfera que voltou junto com a chuva, contaminando o leite, a comida, o ar e os ossos de nossas crianças. Kennedy e Kruschev pediram a suspensão em 1963, poupando milhões de pessoas.
O que temos em Fukushima é algo mais local, mas com certeza muito mortal e sem dúvida muito pior do que Chernobyl, uma vez que a população próxima é muito maior. Isso me leva a meu segundo ponto e a um alerta ao povo japonês. A contaminação do mar resulta na absorção dos radionuclídeos pela areia e pelo lodo na costa e rios estatuários. Na costa leste do Japão o solo e os sedimentos serão horrivelmente radioativos. Esse material será re-suspenso no ar por um processo chamado transferência mar-terra. O ar inalado na região costeira estará repleto de partículas radioativas. Estou disso desde que fui convidado, em 1998 pelo Estado irlandês, para a realização de um estudo de dois anos sobre os efeitos cancerígenos das contaminações marítimas pela usina de reprocessamento nuclear de Sellafield. Analiusamos os dados de uma pequena área, vazados pelo Registro Welsh de Câncer que cobria o período de 1974-1989, quando Sellafield estava liberando quantidades significantes de rádio-césio, rádio-estrôncio e plutônio. Os resultados mostraram um aumento notável de 30 por cento nas taxas de câncer em pessoas que viviam num raio de 1 km da costa. O efeito era muito local e desaparecia bruscamente a 2Km da área. Na tentativa de descobrir a causa, nos deparamos com as medições feitas pelo UK Atomic Energy Research Establishment. Usando roupas especiais, eles mediram a quantidade de plutônio no ar a diferentes distancias da costa afetada. A tendência foi a mesma observado com relação aos níveis de cancer, aumentando consideravelmente a 1Km da costa. Os resultados nunca foram publicados na literatura científica, mas foram apresentados ao comitê CERRIE do Reino Unido, e eventualmente publicados em um livro que escrevi em 2007 intitulado “Lobos da Água”. Não se engane! O efeito é mortal! Em 2003 nós tínhamos encontrado 20 vezes o risco de leucemia e tumores cerebrais na população de crianças da costa norte do País de Gales. Seus casos foram negados, claro, pelo Cancer Intelligence Unit Welsh, que suplantou o antigo Registro de Welsh – fechado imediatamente após os dados que coletamos. Publicamos estes na literatura científica.
No entanto, o efeito do mar para terra é real. E quem vive dentro de 1 km da costa, pelo menos, e 200 km ao norte ou ao sul de Fukushima deve sair. Deve evacuar para o interior onde o peixe não está contaminado. E sobre o futuro? O futuro é sombrio. Eu não vejo nenhuma maneira de resolver a catástrofe. Eles vão ter que derramar água sobre os destroços para sempre, e, assim, continuar a contaminar o mar local, ou encontrar alguma solução imediata mais drástica. Foi-me dito que os especialistas dos Estados Unidos tiveram a ideia, no início, de bombardear os reatores para o porto. Não me parece tão estúpido. Isso pelo menos os safaria de chegarem muito perto dos pedaços para pagá-los, além de resolver o problema do resfriamento.
Aparentemente (disse meu contato) os franceses se opuseram por causa dos efeitos negativos sobre a energia nuclear.
Professor Christopher Busby do European Committee on Radiation Risks for RT