E se o vazamento fosse de uma central nuclear?

Por Heitor Scalambrini Costa*

Um debate que gera muita polêmica, e que está em evidência no mundo de hoje pós Fukushima, diz respeito ao modo de produzir energia elétrica utilizando o combustível nuclear.

No Brasil este assunto voltou a tona depois da eleição do governo de extrema direita. A ascensão do almirante da marinha Bento Júnior como ministro de Minas e Energia, e sua entrevista (jornal Folha de São Paulo em 7/12/2018), mesmo antes de tomar posse, deixou claro a prioridade do governo no incentivo que seria dado a energia nuclear para produção de eletricidade, e para gerar força motriz de submarinos.

As duas usinas nucleares instaladas no Rio de Janeiro (Angra 1 e Angra 2) produziram em 2018, uma irrisível contribuição de 2,5% da energia elétrica gerada no país. Logo, sem nenhuma influência significativa na oferta de energia elétrica.

Angra 3 em construção desde 1984 (iniciada há 35 anos), considerada a obra de infra-estrutura mais “enrolada” do Brasil, sofreu sua primeira interrupção em 1986 por questões econômicas. Retomada em 2010, novamente foi paralisada em 2015. Além da falta de recursos para finalizá-la, a Operação Radioatividade, segundo as investigações realizadas pela polícia federal, envolveu o também almirante Othon Pinheiro da Silva, ex presidente da Eletronuclear, em crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas, que acabou levando a sua condenação (43 anos de prisão).

Como prioridade governamental, Angra 3 para ser concluída precisa ainda algo em torno de 3 bilhões de dólares (12 bilhões de reais). Sendo que 70% dos equipamentos e materiais já foram comprados (na mesma época dos equipamentos de Angra 2), e estão armazenados até hoje. Os equipamentos já adquiridos  são de um modelo de reator ultrapassado, o mesmo do acidente de Fukushima, um PWR (Pressurized Water Reactor) de 2ª geração.

Todavia, apesar deste histórico de Angra 3, sua conclusão e a construção de uma central com 6 novos reatores no município de Itacuruba-PE, na beira do Rio São Francisco, está prevista para até 2050, com recursos financeiros envolvendo aproximadamente 33 bilhões de dólares (132 bilhões de reais).

Pouco se sabe como se dará estes investimentos, de onde virá os recursos para terminar a construção de Angra 3 e construir 6 novas usinas, quais os modelos de negócios que regerão tais empreendimentos. O que se sabe é que Angra 3 foi incluída no Programa de Parcerias e Investimentos (PPI).

Estas obras faraônicas e megalomaníacas, caso sejam levadas adiante, sem justificativa do ponto de vista econômico, da sustentabilidade e da segurança energética, da questão social, da ética (levando em conta que os resíduos radioativos serão deixados para as gerações futuras); além da questão ambiental, poderão ter reflexos catastróficos para o Nordeste, para os sertanejos.

Esta discussão sobre a instalação de usinas nucleares no país é fundamental, ainda mais nos dias atuais em que um vazamento de óleo cru, de origem “indefinida (?)”, invadiu mais de 25% da costa brasileira. Ficando assim demonstrado neste episódio uma clara conduta de omissão,  de incapacidade do governo federal, responsável pela implementação do Plano Nacional de Contingência (existe desde 2013), de definir estratégias para emergências ambientais, de lidar com situações desastrosas (vide também os incêndios na Amazônia).

Claro que a a negligência, a incapacidade e o despreparo do governo diante de desastres/crimes ambientais já ocorridos, tem que ser levados em conta, principalmente quando se anuncia a construção destes verdadeiros “monstros adormecidos”, que são as usinas nucleares, e do potencial de destruição da vida que carregam intrinsecamente, caso ocorra acidentes severos, de vazamento de material radioativo.

Somos contra estas usinas, não só porque o Brasil tem outras opções de produzir energia elétrica, a partir de fontes renováveis de energia, mais barata, menos agressiva ao meio ambiente, e mais segura. Mas também pelo princípio da precaução, da incerteza científica.

A incerteza científica, ao contrário de permitir a atividade potencialmente danosa, impede-a como elemento essencial do princípio da precaução. Tal princípio no direito ambiental é uma construção que leva em conta a razoabilidade e a proporcionalidade, como bem define o da professor Mauricio Mota Universidade Estadual do Rio de Janeiro em seu trabalho intitulado “Princípio da Precaução no Direito Ambiental: uma construção a partir da razoabilidade e da proporcionalidade”.  Lembrando também que a própria Constituição da República (em plena desmontagem no atual governo)  estabelece em seu artigo 225, caput, que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ao Poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Ora, vazamento de material radioativo por uma usina nuclear é possível sim, e já aconteceu em passado recente. Não se pode admitir argumentos que tentam minimizar o risco, e mesmo negar que  tal risco exista. E existindo o vazamento, caso aconteça, seria devastador, pois é incomparável a qualquer outro tipo de desastre, como queda de avião, rompimento de barragens, etc.

Os elementos radioativos vazados do núcleo do reator  contaminariam o ar, a terra, o solo. Nada mais oportuno lembrar que absorção da radiação emitida é acumulativa, aumenta com o tempo pois os radionuclídeos se acumulam no corpo da população exposta. O que acarretaria sérios prejuízos já conhecidos a saúde humana e de todo ser vivo, ao longo de dezenas, centenas e mesmo milhares de anos.

Então diante de tantos fatos, de tantas constatações, de tantas evidências o que leva o governo brasileiro a tantas maledicências, a tantos descalabros, em propor usinas nucleares em nosso país? Talvez por uma simples razão: a de não gostar do povo brasileiro, do povo nordestino.

Em Pernambuco estamos diante de uma proposta de emenda a Constituição Estadual que mudaria o artigo 216, que veda a instalação de usinas nucleares em seu território. A PEC proposta pelo deputado Alberto Feitosa tiraria este impedimento constitucional, caso sua admissibilidade seja aceita pela Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, e em seguida iria para votação em plenário. Precisando assim maioria simplificada de votos, ou seja 2/3 do total de deputados (49), ou seja 33 votos para ser aprovada.

Esta insanidade, caso aprovada, seria de triste memória para os legisladores pernambucanos. Portanto é hora da pressão democrática sobre os deputados. Pois como diz o poeta: quem sabe faz a hora, não espera acontecer.

*Heitor Scalambrini Costa é Professor aposentado da UFPE. 
Graduado em física Unicamp/SP, mestre em Ciências e Tecnologia Nuclear/UFPE,
Doutor em Energética Universidade de Marselha-Comissariado de Energia Atômica/França.

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