Por Philippe Mesmer (correspondente em Tóquio) e Pierre Le Hir
É uma descoberta que reforça a peculiaridade da catástrofe nuclear de Fukushima e modifica o estudo de seu impacto ambiental e sanitário. Durante a conferência Goldschmidt de geoquímica, organizada entre 26 de junho e 1º de julho em Yokohama, ao sul de Tokyo, uma equipe que reuniu pesquisadores de diferentes universidades, notadamente de Kyushu (sudoeste do Japão) e de Nantes (Loire-Atlantique), revelou que 89% das emissões de césio radiativo dos três reatores cujos núcleos fundiram-se em março de 2011 aconteceram sob a forma de micropartículas de vidro.
Elas foram detectadas na poeira recolhida, em 15 de março de 2011, por um filtro de ar instalado sobre uma edificação de Suginami, um bairro na zona oeste de Tóquio, graças a análises posteriores feitas “por meio de autorradiografia e microscopia por varredura eletrônica”, explica Satoshi Utsunomiya, professor do departamento de química da Universidade de Kyushu, um dos autores da apresentação. Tais partículas também foram encontradas em amostras, retiradas um ano depois da catástrofe, de solos de arrozais em Okuma, uma cidade onde se situa a central nuclear e onde, segundo o professor Utsunomiya, “o solo está fortemente contaminado”.
Interação entre os núcleos fundidos e o concreto
A existência dessas micropartículas era conhecida desde 2013 e já tinha sido objeto de diversas publicações. Mas o que se ignorava é que a quase totalidade do césio disperso no ambiente pelas imprevistas explosões que ocorreram nos reatores de Fukushima não se apresentavam sob forma de aerossóis clássicos, mas dessas minúsculas esferas de vidro.
Com dimensões entre 0,58 e 5,3 mícrons (milionésimos de metros), elas se compõem principalmente de silício e também ferro, zinco, chumbo e cloro. Concentram grande quantidade de césio 134 e de césio 137, dois isótopos radiativos produzidos por fissão nuclear.
“Sua formação poderia ser o resultado de uma interação entre os núcleos fundidos e o concreto dos reatores”, aponta o professor Utsunomiya. Esta interação teria sido provocada pela temperatura extrema, da ordem de 2.000 °C, atingida quando da catástrofe nos prédios das usinas nucleares. Esse fenômeno não foi observado durante o acidente de Chernobyl de 1986 — ainda que se tenha encontrado césio sob a forma de partículas de combustível esparso na vizinhança da central ucraniana — nem durante análises realizadas depois de testes nucleares.
Mais irradiantes e persistentes
A particularidade dessas microesferas de vidro é serem “muito mais irradiantes” que uma massa equivalente de outros aerossóis, porque nelas o césio está muito concentrado, explica Bernd Grambow, diretor da unidade de pesquisa Subatech (Escola de Mineralogia de Nantes, CNRS, Universidade de Nantes), que participou desses trabalhos. Mas, também, serem mais persistentes, pois são, senão insolúveis, muito mais dificilmente solúveis.
Essas características colocam a questão de seu impacto sanitário potencial. Enquanto a radiatividade do césio 134 se reduz à metade a cada dois anos, a do césio 137 só o faz depois de trinta anos. Se ingeridos ou inalados, esses radioisótopos (isótopos radiativos) fixam-se nos músculos. “Como todos os radioisótopos absorvidos, o césio, em função da duração e da dose de exposição, pode aumentar no longo prazo a probabilidade de aparição de cânceres radioinduzidos”, esclarece Jean-René Jourdain, diretor adjunto da proteção do homem no Instituto de Radioproteção e de Segurança Nuclear (IRSN) francês.
No presente caso, supondo que os moradores nas cercanias de Fukushima — ou os habitantes de Tóquio — tenham inalado microesferas com césio e que estas tenham ficado muito tempo em seus pulmões, são teoricamente possíveis ocorrências locais, fibroses ou mesmo necroses.
No entanto, aos olhos dos especialistas, não existe risco sanitário significativo e “não cabe rever o diagnóstico de Fukushima”. De fato, “o organismo aciona mecanismos de depuração e de eliminação”, explica Olivier Masson, especialista em aerossóis no IRSN. “Não estamos, de forma alguma, no cenário do iodo radiativo que se fixa na glândula tireoide e constitui o principal perigo de um acidente em que se disseminam elementos radiativos”, acrescenta ele.
Até o presente momento, ele calcula que, “de um ponto de vista científico, as consequências radiológicas da inalação de césio terão que ser reavaliadas, à luz da descoberta dessas partículas cuja solubilidade é muito fraca”.
«Do ponto de vista científico, as consequências radiológicas da inalação de césio deverão ser reavaliadas, à luz da descoberta dessas partículas cuja solubilidade é muito fraca»
(Olivier Masson, especialista em aerossóis no IRSN)
Operações de descontaminação
De todo modo, a detecção daquelas micropartículas em Tóquio, a 230 km da central danificada, confirma a importância dos rejeitos radiativos e a extensão das zonas atingidas durante os dias que se seguiram à fusão de três dos seis reatores da instalação de Fukushima, depois do terremoto e do tsunami de 11 de março de 2011. O professor Utsunomiya afirma:
“Hoje, não há mais emissão de isótopos radiativos da central, porque os reatores esfriaram. O problema atual do lugar são os vazamentos de água contaminada.”
Tal descoberta poderia também modificar a modelagem dos impactos, em caso de catástrofe nuclear, e a maneira de conduzir as operações de descontaminação de césio. Sobre esse ponto, o governo japonês está engajado em uma ampla operação que cobre cerca de 2.400 km², por um custo estimado de 2.480 bilhões de ienes (22 bilhões de euros). Sua eficácia nem sempre se efetiva. Numerosas casas deverão ser descontaminadas várias vezes, a chuva e o vento deslocam as substâncias radiativas, sobretudo em zonas montanhosas.
A apresentação dessas análises, que deverá ser o tema de publicação de uma revista científica, sobrevém enquanto o governo busca retomar o uso da energia nuclear no Japão. Atualmente, somente os dois reatores da central de Sendai, no departamento de Kagoshima (no sudoeste), foram religados.