O racionamento é um desastre anunciado

Folha de S. Paulo
24/02/2016

Joaquim Francisco de Carvalho

Se os enormes potenciais hidrelétrico, eólico, fotovoltaico e bioenergético disponíveis no Brasil fossem aproveitados criteriosamente, toda a energia consumida no país poderia vir de fontes renováveis e não poluidoras.

No entanto, a presidente Dilma Rousseff – dando mais uma vez prova da sua total ignorância em matéria de energia – vetou a entrada de fontes renováveis (exceto a hidráulica) na matriz prevista no Plano Plurianual 2016-2019, desabonando assim o compromisso que assumiu na COP-21, no final do ano passado.

Embora as vazões dos rios brasileiros estejam caindo ano a ano, cerca de 70% da energia elétrica brasileira ainda vêm de usinas hidrelétricas. A presente recessão implica uma queda na demanda de eletricidade que nos livra de racionamentos. Mas uma possível recuperação da economia será dificultada por frequentes apagões.

As bacias do São Francisco, Paraíba, Tietê, Paraná, Iguaçu e até a bacia amazônica, estão sendo devastadas pela pecuária e pelas “plantations” de soja e cana – e pelas serrarias. E as mudanças climáticas comprometem ainda mais suas vazões.

No caso do São Francisco, a situação é especialmente grave. Sua nascente, na Serra da Canastra, em Minas Gerais, está devastada, assim como as matas que margeavam os rios da região. Esta é uma das causas da escassez de água, que já aflige algumas cidades. E não se vê nenhum dignitário falar do desastre anunciado, que será a perda dessas extraordinárias riquezas naturais, que são a abundância de água – e de hidreletricidade.

Em vez de agir no sentido de preservar as bacias hidrográficas, mediante estímulos ao reflorestamento das nascentes e margens dos rios, o governo e as empreiteiras agravam o quadro, insistindo no projeto de transposição de águas do São Francisco. Atualmente, o fluxo médio deste rio, ao longo do ano, é da ordem de 2.900 m3/s (metros cúbicos por segundo) mas, durante a estação seca, é de apenas 1.000 m3/s. O projeto prevê a retirada de 280 m3/s, portanto, durante esta estação, a transposição “sangrará” 28% do fluxo de um rio moribundo.

Não contente com isto, o governo pensa em implantar centrais nucleares, precisamente quando esta opção é abandonada por países da vanguarda tecnológica, como a Alemanha, a Bélgica, a Suíça e o Japão, que reativou apenas 3 centrais nucleares, das mais de 50 que operava antes da catástrofe de Fukushima.

Os adeptos da opção nuclear (como eu já fui, no passado) apontam a intermitência dos ventos e das radiações solares como desvantagem das fontes renováveis.

Ocorre que o aproveitamento das fontes renováveis pode ser muito aperfeiçoado, começando pela implantação de malhas inteligentes (smart grids) para interligar as usinas hidrelétricas com os parques eólicos e as instalações fotovoltaicas, permitindo que as energias eólica e fotovoltaica fiquem parcialmente “armazenadas” nos reservatórios hidráulicos, aumentando o fator de capacidade do sistema interligado e compensando a intermitência dos ventos e radiações solares, pois, à semelhança de uma carteira de ações na bolsa de valores, a produção conjunta de todos os parques varia menos do que as produções de cada parque, isoladamente.

Por fim, a eficiência dos painéis solares e das turbinas eólicas pode ser melhorada.

_______________________________­­­­_____________

Joaquim Francisco de Carvalho, 80, é mestre em engenharia nuclear, doutor em energia, foi engenheiro da CESP, diretor industrial da Nuclen (atual Eletronuclear) e pesquisador associado ao IEE/USP.

Esta entrada foi publicada em Energia Nuclear, Textos para Reflexão e marcada com a tag , , , , . Adicione o link permanente aos seus favoritos.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *


*