Na Folha
Em 11 de março rememoramos, no seu quarto aniversário, uma tragédia que comoveu o mundo: o fortíssimo terremoto de Fukushima, no Japão, seguido de um tsunami avassalador com milhares de vítimas. Toda a humanidade admirou a coragem do povo japonês para superar a dor e o luto, ao mesmo tempo que sua capacidade de rapidamente fazer desaparecer até as marcas da destruição.
Algo ainda mais grave, no entanto, aconteceu logo depois: três das quatro usinas nucleares existentes na área explodiram. Apesar da tecnologia e da disciplina japonesas, os seus operadores não conseguiram evitar que as falhas em seu funcionamento provocadas pelo terremoto e pelo tsunami se encadeassem a outras, e fenômenos químicos incontroláveis levaram às explosões.
As consequências do acidente continuam no entato a desafiar o governo: o portal G1, da Globo, transcreveu em 22 de fevereiro uma notícia da France Presse segundo a qual os sensores da empresa TEPCO (que construiu e administra a usina) “detectaram um novo vazamento no mar de águas altamente radioativas”.
A notícia diz ainda que “os dispositivos instalados em um conduto de retirada de água de chuva e sensores subterrâneos registraram um nível de radioatividade 70 vezes superior aos já elevados níveis do complexo nuclear. Segundo a Tepco, não foram detectadas anomalias durante uma inspeção dos gigantescos depósitos de água contaminada, o que não permite pensar em um vazamento nestes depósitos”. E completa, ao final: “O desmantelamento dos quatro reatores mais afetados (…) deve durar de três a quatro décadas”.
Sabendo-se que milhares de pessoas tiveram que abandonar para sempre suas casas, em oito localidades em torno da usina, e vivem até hoje em alojamentos provisórios por conta da ajuda que o governo está obrigado a lhes dar, entende-se porque entre os antigos moradores de somente uma dessas localidades, Tomioka, a 10 km da usina, tenham ocorrido quase 200 suicídios, número 10 vezes superior ao número dos que nela morreram com o tsunami…
Enquanto isso acontece, o governo francês desenvolve o programa SAGE, que visa “treinar” as pessoas para conviverem com a radioatividade, se vier a ocorrer um acidente “severo” no país, o que é obviamente indesejável mas pode ocorrer.
Trata-se de uma ação preventina (para as finanças nacionais?) calcada na experiência do programa ETHOS, da Bieorrússia – uma iniciativa que mostra que a insanidade não conhece limites.
O governo desse país o aplica nos territórios contaminados pela explosão da usina de Tchernobyl porque nunca disporá dos recursos necessários para evacuar toda a população desses territórios e lhes dar alojamento, trabalho, assistência médica e psicológica durante um número indefinido de anos…
Aqui no Brasil continuam as obras de Angra III, graças à insensibilidade do governo e ao poderio de algumas empreiteiras, agora tristemente envolvidas também na Operação Lava Jato.
Essa usina está sendo construída com um projeto dos anos 1970, não revisado segundo as normas de segurança editadas pela Agência Internacional de Energia Atômica depois dos acidentes “severos” de Three Miles Island (1979) e de Tchernobyl (1986).
Trata-se de um crime em preparação, denunciado antes do acidente de Fukushima pelo engenheiro de segurança nuclear brasileiro Sidney Luiz Rabello, em artigo no “Jornal do Brasil” em 2010, e nem a retomada da denúncia pelo Ministério Público Federal levou a que se procure evitá-lo.
São coisas que, como dizem os menos orgulhosos da nossa pátria, só podem acontecer no Brasil. E os equipamentos importados da Alemanha, que estão sendo montados em Angra 3 pela AREVA, multinacional francesa, ficaram 30 anos encaixotados nas praias que têm os nome indígena de Itaorna, o quer dizer Pedra Podre.
Nem falemos de outras irresponsabilidades em Angra, como a do seu Plano de Emergência em caso de acidente, com suas precárias rotas de fuga e evacuação da população num modesto raio de 5 km.
Não esqueçamos Fukushima – é a mensagem que enviam ao mundo corajosos sobreviventes do que lá ocorreu, em luta permanente para que seus filhos não toquem nm ingiram ou respirem as partícuas radioativas despejadas em seus jardis, para lá ficarem por muitos séculos.
Em todo o planeta continua o esforço para que não o esqueçamos. No dia 11 de março haverá muitas manifestações de rua, cartas entregues aos consulados do Japão, debates. Mas é bem evidente que a disposição de luta diminui.
A “catástrofe” de Fukushima, nome mais adequado para esses desastres do que “acidente severo”, vai sendo apagada da memória coletiva, na luta dos seres humanos para sobreviver aos dramas que os atingem.
Até na França, país mais nuclearizado do mundo, cujo movimento “Sair do Nuclear” chegou a promover em 2012 um “abraço humano” de 400 km em torno da área em que se concentram boa parte de suas 59 usinas, diminuiu desta vez suas pretensões.
Nos três últimos anos pequenos grupos conseguiram fazer com que a data não passasse inteiramente em branco no Brasil, pelo menos para nos solidarizarmos com nossos irmãos japoneses. Hoje dificilmente nossos jornais darão alguma pequena notícia sobre eventuais atividades rememorativas de Fukushima.
Ao que tudo indica, portanto, o esquecimento é o que tende a acontecer. É o que mais desejam os governos e o lobby nuclear. A não ser que uma nova “catástrofe” em alguma das 432 usinas que existem no mundo provoqu um pânico generalizado e leve todos os países a imitarem a Alemanha, a Bélgica e a Suíça, que abandonaram de vez a opção nuclear para produzir eletricidade.
CHICO WHITAKER é membro da Comissão Brasileira Justiça e Paz e da Coalizão por um Brasil Livre de Usinas Nucleares.