3º Seminário sobre Energia Nuclear – 07 e 08 de outubro de 2014, UERJ

Breve relato da manhã do primeiro dia e de minha participação no evento

A primeira mesa do Seminário teve por temática “Estratégias para o Crescimento Energético no Brasil”, com a participação de Antônio Muller, que é o presidente da tal da ABDAN (Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares), Luiz Augusto Pereira de Andrade Figueira, Superintendente de Planejamento, Gestão Estratégica e Sustentabilidade da Eletrobrás e José Carlos Miranda Farias, Diretor da EPE (Empresa de Pesquisa Energética).

Cheguei já no final da fala do primeiro palestrante, que afirmou que “o acidente de Fukushima está praticamente morto” e que hoje temos 72 reatores em construção no mundo, sendo 28 na China, 2 na Argentina, 5 nos EUA.

Luiz Augusto trouxe uma visão de mercado e competitividade. Mostrou preocupação com as questões socioambientais, que geram incidentes, conflitos e causam “impacto no negócio”: “você não faz um projeto de energia hoje sem considerar as questões socioambientais, o fluxo de caixa fica descasado com a realidade”. Ou seja, a preocupação não é o socioambiental, mas o custo gerado para a obra. Como exemplo, citou que Belo Monte teve um custo aumentado em 11%, Jirau em 21% e Estreito em 25%, devido às questões socioambientais. Ele me pareceu um entusiasta da energia solar, destacando a possibilidade de crescimento no país – apesar da baixa expectativa de crescimento no PNE – Plano Nacional de Energia. Segundo ele, o desafio da energia solar é a regulação. Fiquei com a impressão que ele não é um grande entusiasta do nuclear e ele foi embora logo que terminou a sua mesa de debate.

O terceiro debatedor, José Carlos, apresentou um panorama dos diferentes projetos de produção de energia cadastrados no EPE (232 projetos de energia solar, 763 projetos de eólica). Frisou o papel de complementação que as usinas térmicas (incluída aí as nucleares) cumprem no sistema de energia. Destacou dois desafios do nuclear: a questão de aceitabilidade pela sociedade (“Trabalho a ser feito por nós… é uma energia limpa…trabalho de esclarecimento dos órgãos ambientais…”) e a questão da credibilidade (“não dá para contratar uma energia que não temos confiança no prazo..”). Ele lembrou que Angra 3 estava prevista para entrar em operação em 2013. O prazo foi renegociado para 2018 e sabemos que muito provavelmente vai atrasar ainda mais. Ou seja, os desafios são pontos fracos do nuclear reconhecidos pelo governo e que vão ser considerados em processos de tomada de decisão.

Ao final das 3 falas o moderador puxou uma rodada de perguntas para animar o debate, mas poucas pessoas se inscreveram, não rendeu muito. O moderador, que era um biólogo, destacou o papel das usinas nucleares na preservação da biodiversidade, devido à baixa taxa de ocupação do solo.

Depois de um breve intervalo formou-se a segunda mesa do Seminário, com a temática “Novas Usinas Nucleares Nacionais como Catalizadores de Desenvolvimento Regional”. Éramos 4 debatedores e para a minha sorte, fui a última a falar.

Paulo Gonçalves, Assessor da Coordenação de Responsabilidade Socioambiental e Comunicação da Eletronuclear,  deu ênfase em sua fala no cumprimento das condicionantes de Angra 3, mais de 120 projetos, 631 milhões de reais em convênios (278 milhões investidos até agora). Ele destacou “o grande diálogo com a sociedade”: “Foram 17 reuniões prévias, 9 audiências públicas”, se referindo ao processo de licenciamento de Angra 3. Falou dos tais “Espaços culturais”, que seriam os 4 locais aqui na região onde a Eletronuclear negocia os projetos, “espaço democrático sem interferência do poder local”, segundo ele.

Em seguida foi a vez de Evilásio Luiz Tolomeotti, engenheiro da Eletronuclear. Evilásio montou toda a sua argumentação a partir das Mudanças Climáticas e de seu entendimento da energia nuclear como energia limpa. Foi fácil desconstruir.

Cássio Veloso de Abreu, da Prefeitura de Angra dos Reis, destacou mais os impactos sociais e econômicos das usinas nucleares no município do que os aspectos nucleares – entendendo que os riscos de contaminação e acidentes é menos sentido pela população que o impacto das obras no crescimento populacional da cidade. Cássio observou que Angra dos Reis tem sido palco de vários empreendimentos de cunho estratégico nacional e que não seriam somente as usinas nucleares as responsáveis pelo crescimento desordenado do município. Ele mostrou uma seqüência de imagens aéreas do bairro do Perequê (o mais próximo do Complexo Nuclear), desde a época da abertura da rodovia Rio-Santos até hoje e é assustador o crescimento, num vale cercado por 2 rios e que frequentemente sofre com inundações. Toda a várzea ocupada. Nítida a diferença da ocupação do Perequê do período anterior ao início das obras de Angra 3 para agora.

Eu comecei a minha fala parabenizando os organizadores do Seminário, falando que energia nuclear é um assunto a ser debatido por toda a sociedade, que não deve ser um assunto só para especialistas e físicos nucleares. Brinquei com a disparidade de gênero no Seminário – éramos 3 mulheres e 35 homens entre os debatedores das várias mesas. Energia Nuclear é assunto para homem… Ressaltei a importância de a sociedade participar ativamente das escolhas e caminhos da política energética, que vão determinar que tipo de desenvolvimento queremos e ressaltei também a pouca permeabilidade do setor energético à participação da sociedade na tomada de decisões, citando o exemplo do CNPE (Conselho Nacional de Política Energética). Em seguida passei a argumentar porque o Brasil não precisa de usinas nucleares: as opções energéticas  que temos, o custo da energia nuclear, a questão do lixo e dos riscos de acidentes. Frisei bastante a relação entre energia nuclear e fins militares – a programação do seminário de certa forma corroborava minha afirmação. Aí discorri um pouco sobre os motivos que levariam o país a se colocar nessa contra-mão em relação ao nuclear: a questão a mineração do urânio, o lobby das empresas, as questões militares e estratégicas. Em relação ao tal desenvolvimento regional ressaltei que todos esses grandes empreendimentos trazem problemas e prejuízos no âmbito local e que são bons é para empreiteira. Dei duas cutucadas na Eletronuclear: falei que eles reformaram o Convento do Carmo, no Centro de Angra (e que entrou como cumprimento de condicionante) e em seguida privatizaram para eles o espaço: instalaram lá o Espaço Eletronuclear! É um vexame! O dinheiro gasto nas condicionantes beneficia a própria Eletronuclear!  A outra cutucada foi informar que a Eletronuclear pretende fechar o atendimento a população no Hospital de Praia Brava. Essa notícia já circulou inclusive em jornais da cidade, parece que está um bafafá no conselho da FEAM (a Fundação que administra o hospital) e a empresa está forçando a barra para cortar o atendimento a população e ficar só atendendo os funcionários. O tempo era muito curto e deixei de falar mais um tanto de coisa que estava na manga. Quando encerrei a minha fala já tinha uma meia dúzia levantando a mão para falar… parece que animei o debate!

Considerações gerais sobre o Seminário:

O Seminário realmente não se propõe a discutir energia nuclear com a sociedade ou mesmo com a Academia. Mas não deixa de ser uma estratégia de ocupar espaços nas universidades com o nuclear. Existe uma necessidade de formação técnica, de ampliação dos cursos. Se eles querem mesmo construir mais esse monte de usina nuclear vão precisar formar muita gente.

É um espaço para mostrar o outro lado da moeda sim. Levei aquela publicação da HBöll sobre os mitos da energia nuclear e me arrependi de não estar com um pacote!! Teria distribuído fácil. Várias pessoas me pediram a publicação. O mediador veio me parabenizar depois de concluído o debate. Uma jornalista veio conversar comigo no final.

Não pude participar de todo o encontro. No dia 8 teve uma mesa sobre a importância dos órgãos reguladores e outra sobre o processo de licenciamento de Angra 3, questões importantes e onde poderíamos contribuir bastante no debate (apesar de destinarem pouquíssimo tempo para um debate, de fato). Vale participar de todo o encontro. Mas é importante estar em um grupo mínimo.

Ah, e descobri que, se somos poucos na luta anti-nuclear, eles também não são muitos.

Sylvia Chada
SAPÊ

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