Fukushima: e se o pior ainda estiver por vir?

Publicado em 23 de agosto de 2012 no Le Nouvel Observateur.

Por Vincent Jauvert, enviado especial de Nouvel Observateur ao Japão.

Ninguém (ou quase) diz: no coração da central japonesa dorme uma “bomba”, cujos efeitos, em caso de um novo terremoto, seriam infinitamente mais devastadores do que o de Chernobyl. Depois de meses de omerta, especialistas e políticos quebram o silêncio. Eles confiaram a Vincent Jauvert seus temores e sua indignação face às mentiras das autoridades. O que eles contam parece um cenário apocalíptico.

11 de março, 14H 46…

Um forte terremoto (9 na escala Richter) faz tremer a central de Fukushima-Daiishi durante um minuto. Em seguida, uma onda de 15 metros inunda o local. Com a eletricidade cortada, os reatores não são mais resfriados e, mal ventilados, têm seus “corações” fundidos. Mais tarde, explosões derrubam vários edifícios. A radioatividade é tal que o acidente é classificado no nível 7, como foi o de Chernobyl.

Trata-se de uma pequena piscina – e um potencial desastre planetário. Um tanque de cimento de onze metros de profundidade, cheio de água e repleto de combustíveis nucleares usados: 264 toneladas de barras muito radioativas! Há um ano e meio essa piscina, chamada de “desativação”, descansa a trinta metros da superfície, sobre o edifício abalado do reator número 4 da central de Fukushima-Daiichi. Esse tanque não está mais protegido nem por um teto sólido nem por paredes, mas por um simples toldo de plástico branco.

Os riscos de uma situação como essa são incomensuráveis. Se, depois de um tufão (cuja temporada começa no final de agosto) ou de um novo tremor de terra, a piscina viesse a se esvaziar ou a desmoronar, a catástrofe resultante seria provavelmente sem precedentes na história da humanidade. A liberação no ar dessas 264 toneladas de combustíveis nucleares poderia soltar na atmosfera dez vezes mais radioatividade que o acidente de Chernobyl, ou até mais que isso. Seria, dizem alguns, o fim do Japão moderno e, em todo caso, uma calamidade para o conjunto do hemisfério Norte, que se tornaria gravemente e duramente contaminado.

Sensacionalismo? Delírio catastrófico de militantes antinucleares? Infelizmente, não. Esse cenário apocalítico é a obsessão da maior parte dos pesquisadores sérios que estudaram o “dossiê”. Até setembro último, o professor Koichi Kitazawa presidia a prestigiosa Agencia Japonesa para as Ciências e a Tecnologia (JST), que não é, longe disso, uma anti-câmara de Greenpeace. Neste ano, ele dirigiu uma comissão especial de pesquisa sobre o acidente nuclear de março 2011. “Depois de ouvir centenas de testemunhas, tenho minha convicção – diz o respeitado especialista. Na central de Fukushima, o pior está talvez por vir. Por causa da piscina do reator 4, um novo acidente pode ocorrer a qualquer momento, que ameaçaria a própria sobrevivência de meu país.” E o cientista acrescenta: “Rezo para que, nas próximas semanas, não aconteça um violento tornado sobre a central.

Autópsia

Presidente da comissão parlamentar sobre o acidente de Fukushima, Kiyoshi Kurokawa divulgou conclusões extremamente graves no início de julho. “É um desastre ‘made in Japan’, escreveu. Suas causas fundamentais [são] nosso condicionamento à obediência, nossa reticência a questionar a autoridade, nossa devoção a aderir ao programa, nossa mentalidade de grupo e nossa ‘insularidade’.

Dirigente do departamento de Energia do governo Bill Clinton, Robert Alvarez foi um dos primeiros a soar o sinal de alarme. Ele confirma: “Se um tremor de terra ou qualquer outro evento viesse a afetar a piscina, poderia ocorrer, como resultado, um incêndio radiológico catastrófico, com perto de dez vezes a quantidade de césium 137 que se propagou depois do acidente de Chernobyl.” Importa salientar que as explosões na central de Fukushima só liberaram um sexto do césium emitido em Chernobyl. Ou seja, a destruição dessa piscina, que segundo a expressão do físico francês Jean-Louis Basdevant parece continuar em pé unicamente pelas ‘forças do espírito’, poderia ser sessenta vezes mais grave do que a catástrofe de março 2011. Uma vez que essa última provocou a desocupação permanente de 160.000 pessoas, num raio de vinte quilômetros em volta do ‘site’ atômico, é difícil imaginar o significado de “sessenta vezes mais grave”.

Um professor do Instituto de Pesquisa Nuclear Universitário de Kyoto, Hiraoki Koide, propõe uma comparação mais aterradora ainda, sobretudo para os japoneses: “Se o tanque do reator número 4 despencasse, garante ele, as emissões de matéria radioativa seriam enormes: uma estimativa prudente fala em uma radioatividade equivalente a 5.000 vezes a bomba nuclear de Hiroshima”. Até onde se sabe, ninguém o contradisse.

Os especialistas franceses também temem tal cenário de pesadelo, e isso há mais de um ano. Olivier Isnard é pesquisador no Institut de Radioprotection et de Sûreté Nucléaire (IRSN), uma instituição pública. No dia 7 de julho de 2011, na embaixada da França em Tokyo, ele descrevia assim as consequências de uma “perda” da piscina: “Em um quilômetro de distancia, haveria uma tal propagação de dose [de radioatividade que] nenhum ser humano poderia se aproximar do ‘site’.” E acrescentava: “Nos cenários que fazemos de antecipação, nós avaliamos que um [tal acidente] necessitaria uma desocupação de urgência em uma área de cerca de sessenta quilômetros [em volta da central].” Nos dias que seguiram a catástrofe de Fukushima, o governo japonês estava mais pessimista ainda – mas com muito cuidado para não divulgar tal pessimismo. O Primeiro ministro da época, Naoto Kan, revelou recentemente que depois da explosão do edifício do reator número 4, em 5 de março de 2011, ele tinha planejado secretamente desocupar a região de Tokyo e seus 30 milhões de habitantes. Chegou a pensar seriamente nessa possibilidade, durante várias semanas.

Mea culpa

Primeiro ministro em exercício no momento do acidente, Naoto Kan defende, hoje, o desmantelamento de todas as centrais atômicas no Japão. “Lamento sinceramente ter acreditado no mito da segurança absoluta da energia nuclear”, declarou. Ele pediu demissão alguns meses depois do acidente, em agosto de 2011.

Hoje, o novo poder e a empresa privada Tepco (Tokyo Electric Power Company), certificam que a piscina está sob controle e que o perigo desapareceu. No ano passado, essa certeza foi suficiente para acalmar as pessoas. Mas isso já não existe mais. Depois de anos de cega confiança, os japoneses não acreditam mais no ‘establischement’ nuclear. Em 2012, duas comissões de pesquisa sobre o acidente de Fukushima revelaram a extensão de suas mentiras, de suas torpezas e de sua negligencia. A tal ponto que, atualmente, muitos se perguntam se, apesar de suas afirmações, a Tepco e as autoridades japonesas fazem as intervenções necessárias para evitar a terrível catástrofe anunciada – e, sobretudo, se são capazes de executá-las.

Essas dúvidas sobre a sinceridade e a aptidão das autoridades nucleares japonesas se devem aos fatos esmagadores revelados pelas recentes investigações. Um exemplo chocou especialmente. Segundo relatório parlamentar publicado em julho último, as autoridades evitaram cuidadosamente impor à Tepco as medidas anti-terremoto que sabiam ser necessárias e que teriam permitido minimizar – ou até mesmo impedir – o acidente nuclear de março 2011.

A história é esclarecedora. Em 2006, depois de um grande tremor de terra em Niigata, uma cidade da costa oeste do Japão, e depois de um violento tsunami em Sumatra, as autoridades responsáveis pelas centrais empreenderam a redação de uma nova regulamentação, mais rígida. Elas previam, especialmente, a construção, em torno dos ‘sites’ atômicos situados perto do mar (tais como o de Fukushima), de um muro capaz de barrar as ondas de dez metros. Mas, consultada em segredo, a Tepco resiste. A adoção das novas normas custaria 800 milhões de euros, queixou-se a empresa operadora privada, muito caro! E, sobretudo, acrescenta, a companhia arriscaria perder muitos processos.

Nos memorandos secretos enviados às autoridades, a operadora explica que, desde os anos 1970, numerosos ribeirinhos levaram-na diante dos tribunais, acusando-a de por em perigo a vida humana perto das centrais. Como ninguém conseguiu provar que os locais não eram seguros, a Tepco nunca foi condenada. Mas, se novas regras antissísmicas e antitsunami fossem adotadas, seria, escreve Tepco, a confissão de que os queixosos tinham razão. Novas diligências seriam feitas, que poderiam custar centenas de milhares à empresa.

Vídeos explosivos

No último 6 de agosto, videoconferências guardadas na sede da Tepco durante a crise tornaram-se públicas. Constata-se o pânico que tomou conta dos dirigentes da empresa. Um deles pergunta o que preveem os manuais de segurança em caso de acidente. Outro especialista responde que ele não se lembra…

A comissão de controle cede a esses argumentos com uma facilidade espantosa. “De início, os especialistas estimavam que as disposições e regulamentos contra um tsunami deveriam estar definidos o quanto antes, no máximo até 2009, ou seja, dois anos… antes do acidente de março 2011, explica Sakon Uda, que coordenou a pesquisa parlamentar. Mas as autoridades adiaram o prazo para 2016. E, sobretudo, para não dar argumentos aos queixosos passados e futuros, elas tornaram a execução dessas novas normas antissísmicas facultativas.

Por que essa condescendência espantosa do Estado nipônico em relação à Tepco, uma empresa privada? E por que a imprensa e os especialistas nucleares se calaram? “Por uma razão simples, explica Kiyoshi Kurokawa, professor de medicina e antigo presidente da Academia de Ciências. No Japão existe, no que se refere ao ‘átomo civil’, um conluio total entre o governo, os reguladores, os operadores elétricos, as principais cidades, vários importantes órgãos de difusão e grande mídia e algumas universidades de prestígio. É o que é chamado de ‘aldeia nuclear’.”

Conluio? A Tepco, que é ao mesmo tempo a Areva e o IEDF japonês, oferece um “pantouflage” a todos os executivos que integram a direção de segurança nacional que, com isso, não são muito exigentes no controle. A empresa alimenta substancialmente os caixas do partido no poder, que em troca não lhe impõe nenhuma exigência. A Tepco financia sem reclamar quase todos os grandes centros de pesquisa nuclear pretensamente independentes, que portanto só produzem estudos provando a confiança absoluta no átomo japonês. As prefeituras que aceitam acolher centrais recebem generosas subvenções, e não reclamam nunca de eventuais inconvenientes. Quanto aos órgãos da mídia, muitos se beneficiam da generosidade da Tepco, que é a maior anunciante da imprensa. Durante quatro anos, portanto, lemos poucos artigos sobre os riscos da energia nuclear. A chegada ao poder em 2009 do eterno opositor, o Partido Democrata, não atenuou essa empresa do operador elétrico: o sindicato da Tepco é um dos principais arrendatários de fundos desse movimento de esquerda. É por isso que, até o acidente de 11 março 2011, raros foram os funcionários, os ministros, os cientistas e os jornalistas que ousaram denunciar as práticas escandalosas da mais influente empresa do Japão.

Fogo na Tepco

A polêmica a respeito da irresponsabilidade e da incompetência da Tepco está longe de acabar. Seus dirigentes teriam pensado, depois das primeiras explosões de março 2011, em desocupar todo o pessoal da central, correndo o risco de um acidente ainda bem mais grave. O ex-primeiro ministro Kan afirma ter ordenado que não fosse feita essa desocupação. Os interesses se mantém. As comissões de pesquisa sobre a catástrofe não resolveram a questão.

A partir dos últimos meses, essa ‘ormeta’ não existe mais – ao menos isso. A face mais negra da “‘aldeia nuclear” surgiu à luz do dia. “O povo descobriu que, devido ao conluio entre eles, Estado e Tepco não sabem gerenciar as intervenções face a um acidente grave e, para mascarar a sua impotência, continuaram a mentir ao longo de toda a crise”,  explica Yoichi Funabshi, antigo redator do maior cotidiano japonês, “Asahi Shimbun”. De fato, na central de Fukushima tudo faltava, máscaras, protetores antirradiações, computadores Geiger… Seus manuais de crise não eram encontrados e, de qualquer forma, não previam o caso de um corte total de energia que foi, no entanto, o que aconteceu. O abrigo previsto para proteger os especialistas e funcionários em caso de acidente não estava dotado de filtro de ar – era, portanto, inutilizável. E não é só isso. A Tepco mentiu sobre o real estado de três reatores danificados e só reconheceu sua fusão depois de três meses. Quanto ao governo, ele guardou segredo sobre os deslocamentos das nuvens radioativas, a ponto de algumas pessoas terem sido transferidas não para locais saudáveis, mas para zonas bastante contaminadas.

A “aldeia nuclear” pode hoje cometer os mesmos erros, mentir com tal gravidade? Poucos duvidam. “É verdade que, desde 11 de março de 2011, vários responsáveis nucleares perderam seus cargos, explica o antigo presidente de JST, Koichi Kitazawa. Mas, até hoje, nenhum deles foi perseguido penalmente, e a maior parte foi contratada por outras grandes empresas. Seus substitutos sabem, portanto, que não correm riscos. Face a tal impunidade, continua a situação em que não se pode confiar no sistema, especialmente quando ele pretende controlar a famosa piscina”.

Em junho de 2011, a Tepco reforçou o piso do tanque do reator número 4 com uma estrutura de aço e cimento de várias centenas de toneladas. Será que essa estrutura é suficientemente sólida? Em 24 de abril, o senador americano Ron Wyden, poderoso membro da comissão de Energia, declara publicamente ter sérias reservas. Ao retornar de uma visita à central, esse democrata eleito pelo estado de Oregon transmite oficialmente a Hillary Clinton: “O risco que representa o enorme inventário de materiais radioativos e de combustíveis usados em casos de terremotos ulteriores deveria ser um motivo de preocupação para todos”, escreve ele à secretária de Estado. E acrescenta: “As radiações causadas pela destruição da piscina poderiam atingir a costa Oeste em alguns dias.” Trata-se, portanto, de “um problema de segurança total para os Estados Unidos”.

Chernobyl

Segundo a OMS, a catástrofe de Chernobyl, em 1986, é responsável por 4.000 mortos, passados ou futuros. Já o acidente de Fukushima não matou ninguém, de imediato. Nenhuma avaliação séria sobre mortes futuras foi publicada até hoje.

Questionada pelo principal aliado do Japão, a Tepco reagiu dois dias mais tarde, publicando um comunicado que pretendia ser definitivo: “Nós afirmamos que o edifício número 4 não desabaria em caso de tremor de terra”. Mas a empresa não declara a potencia do terremoto que o tanque poderia suportar. As críticas aumentam. Alguns especialistas notam que o terreno de Fukushima sofre abalos quase que diariamente. Eles afirmam, sobretudo, que o terremoto de 11 março 2011 reativou uma falha embaixo da central. Segundo eles, existe grande possibilidade de que um gigantesco tremor de terra ocorra novamente nos próximos três anos.

Para aplacar os temores, a Tepco organiza uma operação de relações públicas. Na metade do mês de maio, o ministro da Ecologia vai para perto da piscina com três jornalistas selecionados. Ele fica por lá uma meia hora, depois assegura que não há nada a temer. As mídias japonesa e anglo-saxã não diminuem a pressão. Em 25 de maio, a Tepco é obrigada a publicar um segundo comunicado. A companhia anuncia que ela realizou (não sem tempo) testes laser de resistência sísmica. Ela conclui que “a piscina de combustíveis usados poderia resistir até mesmo a um terremoto tão grande” quanto o de 11 de março. Não adiantou. À noite, na grande rede Asahi TV, um longo documentário demonstra que o risco de cataclismo continua e que, até então, a Tepco não trouxe “nenhum elemento confiável” capaz de provar o contrário. A operadora responde que tudo vai bem, uma vez que “os muros de cimento da piscina tem largura de 1,8 metros”.

Despoluidores

Em volta da central, a zona interditada se estende por um raio de 20 km. Além deles, 1.100 km2 foram declarados inabitáveis devido à radioatividade. Recentemente, despoluidores começaram a trabalhar. A missão deles deve durar várias décadas.

Tal argumento não convence nem mesmo os especialistas mais prudentes. Thierry Charles é o diretor da segurança nuclear no IRSN. Sobre os riscos de acidentes, ele fala, portanto, com conhecimento de causa. Questionado em 16 de junho último pela revista “Enviro2B”, ele explica que a piscina só suportaria um “leve tremor”. Segundo ele, o risco de uma nova catástrofe em Fukushima não se situa “no nível do coração do reator”, como frequentemente se continua a crer, mas “no nível da piscina”. Em que situação? “Um movimento sísmico muito violento.” Um desmentido claro às afirmações da Tepco.

Para evitar o pior, seria necessário tirar o quanto antes as 264 toneladas de combustíveis muito radioativos do fundo da piscina e colocá-los em lugar seguro, sem demora. Como? A empresa operadora pretende ter encontrado a solução milagre: fabricar um imenso guindaste de 70 metros que retirariam as 1.535 barras irradiadas graças a containers de centenas de toneladas. Para tranquilizar as mídias, os testes de retirada foram efetuados em 18 de julho, com duas barras… não radioativas. Mas o planejamento da operação em tamanho real é frouxo. Segundo as últimas novas, os trabalhos não começaram ainda e não estarão terminados antes de dezembro… de 2013. Por que esse prazo? Porque uma manipulação em meio fortemente irradiado nunca foi realizada. A Tepco saberia como fazer? Ninguém pode responder.

Ignora-se, também, o que acontecerá com resíduos tão perigosos no dia em que eles saírem da piscina. A Tepco só conhece uma técnica – o reprocessamento, que ela ainda não controla totalmente. Uma cópia da usina de La Hague está sendo construída há vinte anos, com a ajuda da Areva, em Rokkasho, no norte do país. Mas, apesar de ter custado vários milhões de euros, ela continua não operacional. Enquanto se espera o funcionamento dessa unidade, todas as piscinas de combustíveis do Japão estão quase totalmente cheias. Elas não poderão, portanto, estocar as 264 toneladas da bacia do reator número 4.

Em abril, o dirigente da Areva, Luc Oursel, até propôs que a Hague assumisse esse encargo. Mas isso aconteceu antes da vitória da coalisão PS-EELV na eleição presidencial, que torna bastante improvável um acordo franco-japonês sobre a questão. Resta enterrar, solução que as autoridades japonesas até hoje rejeitaram. Mas em 14 de agosto, um ano e meio depois do acidente, o governo japonês propôs debater tal assunto e que começaria a procurar locais onde enterrar os resíduos. Em resumo, não há nada acertado. Guindaste virtual ou enterro hipotético, o dossiê está em ponto morto. E as autoridades japonesas continuam sem saber o que fazer com os combustíveis que envenenam Fukushima.

Borboletas mutantes

Má formação dos olhos, das asas, das antenas… Em artigo publicado em 9 de agosto, pesquisadores da universidade de Ryukyu afirmam que algumas borboletas da região de Fukushima sofreram mutações nesses últimos meses, devido à catástrofe.

O que esperam as grandes potências do átomo, os Estados Unidos, a Rússia a França, para intervirem? No início de maio, 70 ONGs escreveram ao secretário geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon. Elas querem alertar a opinião pública mundial sobre a iminência do perigo. Segundo elas, a ONU deve impor a Tokyo uma ajuda internacional – que, por enquanto, é aceita pelo Japão somente em conta-gotas. A missiva, redigida pelo ex diplomata Akio Matsumura, foi assinada por várias personalidades japonesas. Em 13 de agosto, um herói nacional se juntou à reinvidicação. Trata-se do antigo diretor da central de Fukushima, Masao Yoshida, que atualmente sofre de um câncer. Em março 2011, ele desobedeceu às ordens absurdas de seus chefes – fazendo descarregar água do mar sobre os reatores, apesar da grande resistência da Tepco, que temia danificar seu material! – e, dessa forma, é bem provável ter salvo seu país de um inverno nuclear. Conhecendo melhor que ninguém a incompetência da empresa e os riscos que representa a piscina do reator número 4, esse homem corajoso e cansado também pede socorro ao mundo. Quando é que ele será ouvido?

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Por uma revolução antinuclear

Um ano e meio depois da catástrofe, o tabu caiu. Em todo o país, a revolta cresce contra o todo-poderoso lobby do átomo. A história do Japão mudou em 16 de julho, sob um sol de chumbo. Nesse dia, face ao apelo da coordenação “Adeus, energia nuclear”, a classe média saiu em massa às ruas de Tokyo. Mais de 100.000 pessoas desfilaram com um único slogam: “Não ao relançamento das centrais atômicas”. Nunca, desde os anos 1960, uma manifestação tinha reunido tanta gente na capital nipônica. A partir daí, o governo ficou abalado por essa mobilização popular, que alguns já chamam de “revolução das hortênsias” (porque elas florescem durante o verão, no Japão).

Em 16 de julho, no parque Yoyogi, jovens e velhos vieram de todas as partes do país. Naoki tem 28 anos. Ele é assistente dentário em Fukuyi, que fica a beira mar, a quatro horas de trem de Tokyo. “É a primeira vez que participo de uma manifestação, diz ele. O primeiro ministro nos mentiu. Quando ele chegou ao poder, depois do acidente de Fukushima, assegurou que era hostil a reativar as centrais. Mas ele reativou a de Ohi, bem perto de onde moro. E, no entanto, os especialistas independentes dizem que ela se situa em uma zona bastante sísmica.”

Hikono, 35 anos, é professora na periferia de Tokyo. “Até o acidente de Fukushima, diz ela, eu era mais para favorável à energia nuclear. Na verdade, nem me colocava a questão. Desde então, pouco a pouco e a partir do desastre, eu me dei conta de que o governo nos mentiu sem parar, e que ele nem mesmo organizou corretamente as desocupações das zonas contaminadas. Não podemos mais confiar nele”.

Também Koji, aposentado do setor de construção, nascido no início da Segunda Guerra mundial: “Durante quarenta anos, as autoridades repetiram que o nuclear era absolutamente seguro e eu obviamente acreditava, explica. Mas, quando quis saber para onde se dirigia a nuvem radioativa, tive que consultar os sites americanos. As autoridades não diziam nada. Na realidade, elas servem aos interesses do lobby nuclear.”

Os velhos militantes antinucleares estão radiantes. “Eu não pensava estar vivo para ver isso acontecer, se felicita Kuniko Horigushi, presente em todas as manifestações desde Chernobyl. Durante vinte anos, nós pregamos no deserto. Eis que estamos no centro dos debates.” O porta-voz é o prêmio Nobel de literatura Kenzaburo Oe. Na tribuna, ele se mostra indignado: “Nós recolhemos mais de sete milhões de assinaturas contra relançar as centrais. No final de junho, fui entregá-las ao Primeiro ministro. E, no entanto, no dia seguinte, ele decidiu reativar o reator de Ohi. Ele não ouve o povo”.

Segundo as sondagens, perto de 80% dos japoneses são favoráveis a uma saída rápida do átomo. Quanto ao governo, hesita sobre a política energética a seguir. Ele considera três cenários: 25% de nuclear – o que corresponde a reativar quase todas as centrais –, 10% ou 0%. Ele deveria anunciar sua decisão até final de agosto. Mas a mobilização popular fez com que recuasse. Em 11 de agosto, os antinucleares organizaram uma manifestação gigantesca diante do escritório do Primeiro ministro. No dia seguinte, as autoridades anunciaram que ainda era necessário refletir a respeito.

 Le Nouvel Observateur , 23 de agosto de 2012   – nº2494

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