Artigo de um lobista nuclear: veja-se até onde pode ir a desfaçatez

Publicado em 19 de março de 2012 na Folha de São Paulo.

veja a carta que os professores Ildo Sauer e Joaquim de Carvalho mandaram à Folha em seguida a este artigo. Ela foi pubnlicada no dia 20 de março de 2012.

 

 

Japão mostrou que energia nuclear é segura

 

Leonam dos Santos Guimarães

As consequências do acidente em Fukushima foram limitadas, sem vítimas fatais da radiação; não há razão para não expandir o nosso parque nuclear nacional

O acidente ocorrido em quatro das 14 usinas nucleares afetadas pelo terremoto e pelo tsunami no Japão teve reais consequências ao público em termos de fatalidades e de prejuízos à saúde -e ao meio ambiente, em termos de comprometimento do uso do solo.

Essas consequências foram bastante limitadas quando comparadas às dimensões da terrível tragédia humana, social, econômica e ambiental causada por esse fenômeno natural excepcionalmente severo. O fato desse acidente não ter causado vítimas fatais pela radiação confirma que a energia nuclear é essencialmente segura.

Essa ocorrência, entretanto, levou os governos, dentre eles o brasileiro, a uma reavaliação da segurança de suas usinas e do cronograma de novas construções. O que está em jogo nessa reavaliação?

Primeiramente, necessidades energéticas crescentes. A eficiência energética e as energias renováveis são um imperativo, mas não serão suficientes para atender à dinâmica da demanda.

Em seguida, segurança de abastecimento: hidrelétricas com reservatórios e usinas nucleares são as formas mais econômicas para garantir, na base, a geração em grande escala de energia.

Enfim, o clima: limitar o reaquecimento do planeta a 2°C significa construir, no mundo, cada ano, durante vinte anos, 100 GW de usinas sem emissões.

Na França, onde o parque elétrico é mais de 90% hidráulico e nuclear, são emitidas menos de sete toneladas de CO2 por habitante, contra mais de 11 na Dinamarca ou na Alemanha, onde cerca de 50% de energia surge do carvão.

A reavaliação que está sendo feita no Brasil está focada nas lições aprendidas. Elas mostram a importância de serem revisitadas as bases de projeto das usinas, de forma a assegurar a disponibilidade dos sistemas de segurança, mesmo diante de fenômenos naturais extremos.

Também importante é a definição de medidas adicionais para mitigação das consequências desses fenômenos, dotando as usinas de recursos complementares para controlar acidentes que excedam essas bases.

A reavaliação está aperfeiçoando ainda mais a segurança das nossas usinas e não aponta razões técnicas para mudanças nos planos de expansão do parque nuclear nacional, que já desempenha um importante papel na matriz energética.

Hoje, Angra 1 e Angra 2 contribuem de forma eficaz para a gestão segura do Sistema Interligado Nacional (SIN), cuja geração é, e ainda será nesta e na próxima década, baseada na hidroeletricidade, limpa, barata e renovável -caso único e exemplar para o mundo.

De 2006 a 2011, a geração térmica mínima no SIN foi de 2.000 MW médios, tendo a máxima chegado a 10 mil MW. Logo, o Brasil já vem necessitando de uma pequena geração térmica de base, na qual a nuclear é a mais competitiva.

No horizonte de 2020, a expansão da oferta por novos aproveitamentos hidrelétricos a fio d'água e pela crescente geração eólica e biomassa sujeitarão o sistema a sazonalidades maiores que as atuais, ampliando a necessidade dessa geração térmica.

No horizonte de 2035, a contribuição térmica crescerá em importância, pois se somará ao contexto um potencial hidrelétrico aproveitável em vias de esgotamento.

Baseado nos princípios do desenvolvimento sustentável, é praticamente impossível elaborar qualquer cenário mundial para os próximos 50 anos no qual, juntamente com as energias renováveis e com a eficiência energética, não exista uma participação da geração nuclear.

A alternativa seria exaurir os combustíveis fósseis, aumentando brutalmente as emissões, ou negar as aspirações de melhoria de qualidade de vida para bilhões de seres humanos que almejam sua inclusão social. Fukushima não mudou essa realidade.

_______________________________

LEONAM DOS SANTOS GUIMARÃES, 52, doutor em engenharia naval e mestre em engenharia nuclear, é assessor da Agência Internacional de Energia Atômica e assistente da Presidência da Eletronuclear S.A.

 

São Paulo, terça-feira, 20 de março de 2012  

 

PAINEL DO LEITOR

Energia nuclear

A imprensa e as emissoras de televisão de todo o mundo vêm publicando amiudados artigos e divulgando documentários que mostram os horrores que a população japonesa em Fukushima e em cidades vizinhas tem sofrido devido à dispersão de materiais altamente tóxicos e radiativos, provocada pela fusão dos reatores da central nuclear de Fukushima Daiichi.

Diante disso, é estranho que um assessor da Eletronuclear escreva algo tão distanciado da realidade como o artigo "Japão mostrou que energia nuclear é segura" (de Leonam dos Santos Guimarães, Tendências/Debates, ontem). Ainda mais porque, no próprio Japão, foram desligadas 52 das 54 centrais nucleares que operavam antes daquele acidente. Deliberadamente ou não, tal artigo distorce os fatos a ponto de conspirar contra o interesse público.

Ildo Sauer e Joaquim de Carvalho, professores do Instituto de Energia e Eletrotécnica da USP (São Paulo, SP)

 

Publicadas no Painel do Leitor da Folha de São Paulo dia 21 de março de 2012

Energia nuclear
É surpreendente que professores da USP (Painel do Leitor, ontem), instituição da qual fui aluno e também professor, tomem como base "artigos e documentários" veiculados pela "imprensa e emissoras de TV de todo o mundo" para afirmar que meu artigo "Japão mostrou que energia nuclear é segura" (Tendências/Debates, 19/3) "distorce os fatos".
Esperava deles uma análise com base em informações científicas da OMS (Organização Mundial da Saúde), do Comitê Científico sobre Efeitos das Radiações Ionizantes da ONU, de Robert Gale ou da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica).
Verificariam que meu artigo faz uma análise dessas informações, num contraponto ao "senso comum", que remete a supostos "horrores" e apela para a mais forte das emoções, que é o medo. Isso é o que realmente conspira contra o interesse público.
Leonam dos Santos Guimarães, assessor da Agência Internacional de Energia Atômica e assistente da Presidência da Eletronuclear S.A. (Rio de Janeiro, RJ)

O artigo "Japão mostrou que energia nuclear é segura", de Leonam dos Santos Guimarães, é falacioso no que tange às perdas humanas causadas por acidentes nucleares. De fato, a não ser em doses muitos altas, as radiações ionizantes emitidas em consequência desse tipo de acidente não provocam mortes imediatas, mas geram leucemia e câncer que atingem principalmente crianças, causando milhares de mortes ao longo dos anos, como está acontecendo com as populações que permaneceram na região de Tchernobil, na Ucrânia.
Alessandro Barghini, pesquisador do Instituto de Biociências da USP (São Paulo, SP)

 

Publicada no Painel do Leitor da Folha de São Paulo dia 22 de março de 2012

Energia nuclear
É lamentável que o assistente da presidência da Eletronuclear, Leonam dos Santos Guimarães (Painel do Leitor, ontem), insista em polemizar em torno de algo tão tendencioso como o artigo "Japão mostrou que energia nuclear é segura" (Tendências/Debates, 19/3). Ao afirmar que "o fato de esse acidente não ter causado mortes confirma que a energia nuclear é essencialmente segura", o assessor parece ignorar os efeitos biológicos das radiações ionizantes, provenientes de um acidente como o de Fukushima-Daiichi.
De fato, é necessário esclarecer que as fatalidades imediatas causadas por um acidente nuclear decorrem apenas do impacto térmico da explosão e, ao contrário do que afirma o assessor, no caso de Fukushima morreram quatro operadores na explosão de vapor. Entretanto os efeitos mais graves são provocados pelas radiações ionizantes, emitidas pelos produtos de fissão altamente ativos, espalhados sobre extensas regiões em consequência da explosão.
Ildo Sauer e Joaquim de Carvalho, professores do Instituto de Energia e Eletrotécnica da USP (São Paulo, SP)

(texto resumido. O completo é o que se segue)

É lamentável que o assistente da presidência da Eletronuclear insista em polemizar em torno de algo tão tendencioso como  artigo “Japão mostrou que energia nuclear é segura" (Tendências e Debates – 19 de março). Ao afirmar que “O fato desse acidente não ter causado vitimas fatais confirma que a energia nuclear é essencialmente segura”, o assessor parece desconhecer os efeitos biológicos das radiações ionizantes, provenientes de um acidente como o de Fukushima-Daiichi. De fato, é necessário esclarecer que as fatalidades imediatas causadas por um acidente nuclear decorrem apenas do impacto térmico da explosão e, ao contrário do que afirma o assessor, no caso de Fukushima morreram quatro operadores na explosão de vapor.  Entretanto, os efeitos mais graves são provocados pelas radiações ionizantes, emitidas pelos produtos de fissão altamente ativos, espalhados sobre extensas regiões em consequência da explosão. Em Chernobyl, por exemplo, houve 47 mortes imediatas, causadas pela explosão de vapor mas, de acordo com os estudos mais conservadores, as fatalidades causadas pelas radiações ionizantes na população diretamente exposta (área muito próxima à usina), podem ir de 3.000 a 5.000 casos fatais de câncer. Considerando áreas mais amplas, as fatalidades poderão chegar a cerca de 27.000 casos de câncer, em médio prazo. Há, ainda, previsões, estimando em mais de 100 mil o número de indivíduos que terão leucemias e cânceres ósseos em decorrência do acidente, em prazos mais longos.  

Atenciosamente,

Ildo Sauer e Joaquim de Carvalho – Professores do Instituto de Energia e Eletrotécnica da USP

 

São Paulo, sabado, 24 de março de 2012                       Opinião

 

PAINEL DO LEITOR

Energia nuclear

Faço questão de manifestar o meu apoio aos professores Ildo Sauer e Joaquim de Carvalho, do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP, que criticaram o artigo "Japão mostrou que energia nuclear é segura" (Tendências/Debates, 19/3), do assessor da presidência da Eletronuclear, Leonam dos Santos Guimarães.
Devo também manifestar não minha surpresa, mas meu horror diante do artigo citado. Seria melhor que o seu autor tivesse nos informado, por exemplo, sobre o grave acidente ocorrido em Angra 2, em 2009. É urgente que a mídia quebre a conspiração dos nucleocratas, que se alimentam de uma ideologia cientificista primária. Essa conspiração poderá nos conduzir a catástrofes.
Ruy Fausto, professor emérito da USP (São Paulo, SP)

 

 

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