Oposição ao carvão e temor de danos a paisagens idílicas desafiam Merkel

Publicado em 30 de maio de 2011 na Folha de São Paulo.

STEPHEN EVANS
DA BBC EM BERLIM

A dramática revisão dos planos nucleares traz novos problemas para a Alemanha, à medida que emergem as consequências de um recuo em relação à energia atômica.
Logo após o acidente nuclear de Fukushima no Japão, em março, a chanceler Angela Merkel anunciou uma revisão da política de energia e ordenou o fechamento imediato dos reatores mais velhos da Alemanha –talvez permanentemente.
Meses depois, ela decidiu manter os reatores funcionando depois de suas datas originais de fechamento.
Mas agora é que vem a parte difícil. Empresas de energia advertiram para o aumento de preços devido ao fechamento de usinas; a Alemanha vem importando eletricidade para atender à demanda em momentos de pico, e analistas alertam que usinas termelétricas a carvão terão que aumentar sua atividade –assim como aumentará demanda por usinas nucleares nas vizinhas República Tcheca e França.
E no interior do país, grupos de protesto começam a chiar, à medida que percebem que mudar a estrutura da indústria de energia do país significa redirecionar as linhas de transmissão, que passariam por seu cenário idílico.

ROTA ENERGÉTICA NORTE-SUL

A dificuldade é que muitas das usinas nucleares ameaçadas estão no sul, situadas convenientemente para atender a grandes usuários de energia como as cidades de Munique e Stuttgart, e indústrias como a Volkswagen.
Se estes geradores nucleares sulistas forem fechados, a idéia é que fazendas de energia eólica no norte do país tenham que atender à demanda. Mas isso implica a instalação de cabos de alta voltagem, com torres muito altas.
Como coloca Johannes Teyssen, executivo-chefe da gigante de energia E.On: “Não temos as linhas de energia necessárias para transmitir energia eólica para o sul. Isso poderia levar a problemas enormes no gride, até mesmo a blecautes”.
Para evitar este cenário, foi proposto um novo gride de cabos de alta tensão, que vem sendo chamado de “Autobahn Energético”, que correria pelo coração da Alemanha.
Moradores de Schalkau, preocupados, temem que grandes torres estraguem a área rural do país.
A rota corre pelo Rennsteig, a belíssima cadeia de colinas cobertas por florestas, que se estende por mais de 160 quilômetros para o centro do país. É para lá que os alemães vão para fazer suas caminhadas, no local que para eles é a definição idílica da Alemanha, uma parte da essência do país.
Então há muita oposição à rota energética. Partes diferentes do movimento verde se desentendem. Ativistas não querem a energia nuclear, mas também não querem desfigurar a paisagem com o que chamam de “mega-mastros”.

SOLUÇÃO VERDE CARA

Na cidade de Schalkau, aninhada no alto do Rennsteig, moradores realizaram manifestações recentemente. Não se trata de uma população propensa a protestar, e o encontro foi adequadamente sedado. Eles bebiam cervejas e comiam salsichas nas mesas, enquanto orador após orador condenava os mastros, que acham que vai desfigurar o cenário ao seu redor.
Alguns disseram à BBC que eram muito contrários à energia nuclear. Mas também muito contra torres de energia.
Perguntei a eles qual seria a alternativa, e obtive várias respostas: “usem os cabos de energia que já existem” ou “coloquem-os no subsolo”. Autoridades afirmam que essas propostas não funcionariam, ou seriam muito caras.
Além da rejeição às torres de energia na região, também há preocupação com pássaros que migram por essas áreas – e poderiam bater em cabos de alta voltagem e morrer.
O ministro de Economia da Alemanha, Rainer Bruederle, disse que as regras de planejamento deveriam ser mudadas, para que a administração dos projetos seja central. Isso tiraria a tomada de decisão sobre projetos específicos das mãos de opositores regionais e a aproximaria de um órgão nacional – que levaria em conta os interesses nacionais.
Então a Alemanha – como outros países que rejeitam a energia nuclear – tem agora escolhas difíceis à frente. Energia eólica não é uma alternativa rápida, fácil ou barata. Outro combustível menos agradável, o carvão, pode ser mais fácil, mas é odiado pelos ativistas.
A professora Claudia Kemfert, economista especializada em energia do Instituto de Pesquisa Econômico em Berlim, acha que o desastre no Japão vai aumentar o uso de energia termelétrica a carvão ao redor do mundo.
“Acho que as emissões de CO2 aumentarão tremendamente nas próximas décadas, porque mais e mais países usarão mais carvão, como a Alemanha. E essa é uma história triste para a mudança climática”, diz ela.
A revisão de Angela Merkel tem que caminhar cuidadosamente por este pântano de barganhas, conflitos e escolhas.
O presidente da Comissão de Segurança Nuclear, Rudolf Wieland, diz que está reavaliando as implicações de todos estes fatos sob uma nova luz, incluindo o risco de aviões sequestrados serem lançados contra reatores nucleares. A comissão revê a probabilidade de coisas que podem acontecer apenas a cada 10 mil anos, em vez da análise anterior, de a cada mil anos.
Ele reconhece que há muita emoção em torno da questão nuclear, mas afirma que é importante não deixar que isso ofusque um julgamento imparcial. “Do ponto de vista técnico, sempre olhamos para o quão alto é o risco, não para a parte emocional”.
A dificuldade é que as emoções agora estão em alta –emoção contra a energia nuclear, mas também emoção contra o uso de carvão. E emoção contra desfigurar as colinas verdes do interior da Alemanha.

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