Publicado em 4 de abril de 2011 no O Globo
Joaquim Francisco de Carvalho
Fala-se pouco sobre a gravidade e o número de acidentes nucleares, mas a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) recebe cerca de 10 a 15 notificações, por ano. Os mais graves foram o de Three Mile Island e o de Chernobyl.
O de Three Mile Island por pouco não comprometeu a saúde de milhares de pessoas na Pensilvânia. O de Chernobyl provocou a morte imediata de 47 funcionários e operadores que estavam na usina e de bombeiros que chegaram para combater as chamas. E a explosão de hidrogênio e combustão da grafita usada para moderar aquele reator produziram uma nuvem que carregou produtos de fissão altamente ativos como o Césio-137 e o Estrôncio-90, para boa parte da Europa. Alguns desses produtos ainda são encontrados nos solos e contaminam alimentos na Ucrânia e na Bielorússia.
Outros acidentes sérios foram os de Forsmark, Tokaimura, Bohunice, Erwin e Mayak. Estes ficaram pouco falados, mas agora Fukushima vem lançar os acidentes nucleares às primeiras páginas.
Não existe máquina infalível nem obra de engenharia 100% segura. Haja vista os inúmeros acidentes de avião, automóvel e trem, que acontecem pelo mundo.
Os acidentes nucleares têm dimensões que os outros não têm. Eles se propagam pelo espaço – continentes inteiros – e pelo tempo – décadas, senão séculos.
Um desastre de avião, por exemplo, atinge diretamente os passageiros e, indiretamente, seus próximos, que ficam. Por mais traumático que seja, este tipo de acidente termina no local e no instante em que acontece.
Um acidente em central nuclear apenas começa no instante e no local em que ocorre. Alguns anos depois centenas de pessoas em regiões inteiras sofrerão males induzidos por exposição a radiações ionizantes. E em algumas décadas crianças nascerão com aberrações cromossômicas e desenvolverão leucemia e desordens endócrinas e imunológicas, provocadas pela absorção, por seus genitores, de doses de radiação acima do tolerável, como acontece até hoje em conseqüência de Chernobyl, com a população que permaneceu nas cidades próximas.
O Brasil não precisa correr o risco de acidentes em usinas nucleares, pois aqui a energia pode vir praticamente toda de um sistema hidro-eólico, com mínima complementação térmica a gás natural. Dessa forma será possível “armazenar” parte do imenso potencial eólico brasileiro em reservatórios hidrelétricos, aumentando significativamente o fator de capacidade do sistema elétrico interligado. É pena que as autoridades do setor não percebam isso.
Joaquim Francisco de Carvalho foi diretor industrial da Nuclen (atual Eletronuclear) e presidiu a comissão provisória criada pela Presidência da República para avaliar o acidente com Césio-137, em Goiânia.