Empresas querem empurrar conta de usinas nucleares para o governo alemão

Traduzido do Der Spiegel. Por Frank Dohmen e Dietmar Hawranek.

Foto tirada com câmera térmica mostra a central nuclear de Biblis, no sudoeste da Alemanha

Foto tirada com câmera térmica mostra a
central nuclear de Biblis, no sudoeste da Alemanha

O problema mais recente da Alemanha pesa 275 mil toneladas. Este é o peso acumulado de restos de aço e cimento que sairão da usina nuclear de Obrigheim, que está sendo desmantelada na cidade de mesmo nome no Estado de Baden-Württemberg, no sul daAlemanha. Esses restos incluem tubulação, partes da fábrica, turbinas, geradores e o recipiente de pressão do reator. Também incluem 10 mil toneladas de material potencialmente radioativo que terá de ser submerso em um banho ultrassônico ou tratado com jato de areia para reduzir a radioatividade. O trabalho mais perigoso será feito por robôs controlados remotamente.

A demolição da usina nuclear é uma empreitada tecnicamente complicada que pode levar de 15 a 20 anos para ser concluída. No caso de Obrigheim, desmantelar a usina custará à companhia de energia elétrica EnBW, proprietária da mesma, cerca de US$ 684 milhões. Em comparação com outras usinas da Alemanha, este reator de água pressurizada é relativamente pequeno. O custo do desmantelamento de grandes usinas como Grundremmingen B ou Isar 2 no Estado da Bavária é estimado em até 1 bilhão de euros cada um.

A maioria dos alemães assumiram que esses gastos serão custeados pelas companhias de energia, que aos poucos juntaram bilhões de euros em lucros com as usinas. Além disso, por que as regras para as usinas nucleares deveriam ser diferentes das regras para os donos de carros normais, que precisam pagar para desmantelar seus carros quando eles não servem mais para trafegar?

Mas os líderes de três grandes companhias de energia elétrica da Alemanha – o diretor-executivo da E.On, Johannes Teyssen, o diretor da RWE, Peter Terium, e o diretor da EnBW, Frank Mastiaux – criaram o que eles consideram um plano brilhante para transferir os bilhões em riscos relacionados ao desmantelamento das usinas nucleares. Eles querem jogar a responsabilidade para o Estado e os contribuintes.

 Confiança do público

Os executivos da energia estão propondo o equivalente a um “bad bank” [ou “banco podre”] para o setor energético para transferir o seu maior risco: as usinas nucleares.

Após o desastre nuclear de Fukushima em março de 2011, a chanceler alemã, Angela Merkel, lançou seu Energiewende, ou reviravolta energética, uma política de reduzir gradualmente toda a energia nuclear e passar a utilizar principalmente energias renováveis até 2022. Depois de fechar as usinas, o próximo passo é que elas sejam desmanteladas.

Temendo os riscos significativos inerentes a esta tarefa, os executivos do setor querem transferir a propriedade sobre as usinas existentes para uma fundação pública que operaria as usinas até seu fechamento em torno de oito anos. A fundação seria responsável por desmantelar as usinas, o que deve custar bilhões, e também por armazenar lixo radioativo.

O banco podre para as usinas nucleares pertenceria ao governo. De acordo com o plano, as companhias de energia elétrica contribuiriam com cerca de 30 bilhões de euros em reservas, que o governo exigiu que elas guardassem ao longo dos anos para cobrir os custos futuros de desmantelar as usinas e armazenar o lixo nuclear. O governo, por sua vez, assumiria a responsabilidade por todos os riscos que pertencem atualmente às companhias de energia.

Nenhuma das companhias envolvidas concordou em falar à “Spiegel”.

O chefe da RWE, Terim, e o da E.on, Teyssen, informaram o governo sobre as linhas gerais de seu projeto no início deste ano. Agora os detalhes do plano foram mais detalhados e, se conseguirem o que querem, os executivos do setor energético logo entrarão em negociações com o governo.

No centro da questão há riscos que, pelo menos por enquanto, são impossíveis para as companhias ou o governo estimar de forma confiável. O que está claro é que é pouco provável que os 30 bilhões de euros em reservas que foram separadas pelas companhias sejam suficientes para realizar a tarefa.

Questões sem resposta

Um dos motivos é que o custo de desmantelar usinas de energia atômica costuma ser maior do que o previsto. E uma das questões mais prementes – onde armazenar com segurança o lixo radioativo – ainda não foi respondida na Alemanha mesmo meio século depois da construção de usinas nucleares no país.

Uma análise da segurança do principal local para armazenamento de lixo na Alemanha, o domo de sal de Gorleben, no Estado da Baixa Saxônia, ainda está em andamento, mesmo após 30 anos depois que o local passou a ser utilizado, e ainda não existe um local permanente e adequado de armazenamento, muito embora as companhias de energia já tenham gastado 1,6 bilhões de euros para este fim. No ano passado, o governo alemão tomou a decisão de também buscar locais apropriados para o armazenamento em outros Estados, com o objetivo de encontrar um local permanente até 2031. O custo estimado de explorar um único local de armazenamento é de mais de 1 bilhão de euros.

Como os alemães descobriram nos últimos anos, contudo, os custos podem explodir rapidamente para os grandes projetos de obras públicas – o novo aeroporto ainda não inaugurado de Berlim ou a sala de concertos Elbphilharmonie de Hamburgo são exemplos disso. Mas, se você acha que esses são projetos complicados de construção, tente construir um depósito permanente onde o lixo nuclear pode ser armazenado com segurança por milhares de anos. É impossível prever quando uma empreitada imensamente complicada como esta vai custar – 10, 20 ou 30 bilhões de euros? É por isso que as companhias de energia gostariam que a responsabilidade fosse assumida pelo governo.

Movimento antinuclear

Em muitos aspectos, o plano das companhias parece definitivamente confirmar que o Movimento Antinuclear dos anos 1970 e 1980, com seus protestos em massa, estava certo em suas principais críticas. Depois do desastre de Tchernobyl em 1986 e da catástrofe em Fukushima em 2011, não é mais possível alegar que a energia nuclear é segura e uma tecnologia totalmente controlável. E ainda nenhuma solução legítima foi encontrada para o problema de armazenar ou eliminar o lixo nuclear. Agora, além disso tudo, vêm as revelações econômicas.

O governo subsidiou a energia nuclear na época de sua introdução, assim como agora oferece apoio estatal para o desenvolvimento da energia eólica e solar. Dependendo da estimativa que se adota, algo entre 17 bilhões e 80 bilhões de euros de dinheiro dos contribuintes foram canalizados para a energia nuclear. Uma vez que os reatores começaram a produzir eletricidade com sucesso, os lucros foram parar nos cofres das companhias de energia elétrica e seus acionistas. Agora que o fim está se aproximando para a tecnologia na Alemanha, espera-se que o Estado assuma os riscos novamente.

Até agora, o ministro de Economia e Energia da Alemanha, Sigmar Gabriel, dos sociais-democratas (SPD) de centro-esquerda, tem evitado as conversas oficiais sobre o tema. Há algumas semanas, ele cancelou um encontro com os chefes da E.on e RWE num evento do setor no último minuto. O motivo dado no momento foi que Gabriel quer primeiro concluir as reformas na Lei de Energia Renovável (EEG) da Alemanha, o centro da transição do país da energia nuclear para as renováveis.

 Riscos ao governo

É possível que Gabriel não consiga postergar a discussão do tema controverso por muito tempo, porque o que à primeira vista pode parecer uma tentativa bruta por parte das companhias de eletricidade de se livrar sem custos de seu legado radioativo é na verdade algo mais complicado. Pode, de fato, ser do interesse do governo aceitar a oferta das companhias para negociar. Não são apenas a E.on, RWE e Vattenfall que têm muito a perder com a questão nuclear – o governo em Berlim também enfrenta riscos consideráveis.

Os produtores de energia estão pedindo cerca de 15 bilhões de euro em compensação do governo em vários processos judiciais. Como o governo Merkel decidiu por uma saída rápida da energia nuclear depois do desastre de Fukushima, a E.on e RWE estão levando suas queixas ao Tribunal Constitucional alemão. Uma questão é se a decisão do governo representou uma invasão ilegal dos direitos de propriedade das companhias. O setor está esperando os primeiros vereditos no início de 2015. O resultado, dizem especialistas em direito, é difícil de prever.

A Vattenfall também está pedindo cerca de 3 bilhões de euros em um tribunal de arbitragem em Washington em compensação pelo fechamento antecipado dos reatores nucleares de Krümmel e Brunsbüttel. O Tratado de Exploração de Energia permite que uma companhia estrangeira como a Vattenfall procure os tribunais norte-americanos, e o governo alemão precisa aceitar o veredito, mesmo que seja decidido em Washington.

As coisas tampouco estão boas para o imposto sobre combustível nuclear introduzido pelo ministro das Finanças Wolfgang Schäuble (CDU). O imposto entrou em vigor desde 2011 sobre o urânio e o plutônio usados pelas companhias na geração de energia atômica em troca de uma extensão do tempo de funcionamento permitido para as usinas nucleares. Há algumas semanas, o Tribunal Financeiro em Hamburgo determinou que o imposto é anticonstitucional. Se o veredito for sutentado pelo Tribunal Constitucional e o Tribunal Europeu de Justiça, o mais alto tribunal da UE, então a Alemanha seria obrigada a pagar até 5 bilhões de euros de volta para as companhias. O objetivo do governo de apresentar um orçamento equilibrado seria então quase impossível.

As companhias de energia sinalizaram para o governo alemão que devem incluir os processos por prejuízos nas negociações. Se o governo apoiar o financiamento de um banco podre nuclear, então os chefes Teyssen e Terium estariam dispostos a retirar alguns de seus processos ou deixar de pedir indenização.

Os executivos das companhias de energia não veem essa oferta como imoral ou como uma ameaça e uma tentativa de chantagear o governo. Se for possível, o chefe de uma corporação tem a obrigação de processar por indenizações para seus acionistas, e o executivo precisa de uma justificativa para abandonar essas iniciativas.

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