Salvador, 20 de outubro de 2012
À
Presidência do IBAMA
Gerência Executiva do IBAMA/Bahia
Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN
Ministério Público Federal
Ministério Público Estadual da Bahia
Promotoria de Justiça de Caetité/Bahia
Com cópia
Ministério do Meio Ambiente – MMA
Ministério de Ciência e Tecnologia – MCT
Secretaria de Saúde do Estado da Bahia – SESAB
Secretaria de Meio Ambiente do Estado da Bahia – SEMA
CIAM
Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados
MAIS UM VAZAMENTO DE URÂNIO EM CAETITÉ, NA BAHIA
Prezados Senhores,
Diante das noticias veiculadas pela imprensa sobre mais um grave acidente atômico, ocorrido na última quinta-feira (18/10/2011), no complexo de exploração de urânio da Indústrias Nucleares do Brasil –INB, em Caetité, a 757 km de Salvador, capital da Bahia, a Associação Movimento Paulo Jackson – Ética,Justiça,Cidadania vem perante V. Sa. manifestar a preocupação com as consequências da reincidência destes fatos, que alertam para a insegurança técnico-operacional, que caracteriza o Programa Nuclear Brasileiro em Caetité e ameaça a saúde de trabalhadores e das populações da região.
Como é de praxe as versões para este novo “incidente” (http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI6242076-EI8139,00-BA+vazamento+de+uranio+em+po+preocupa+trabalhadores+de+mina.html) são conflitantes, especialmente quanto a quantidade de concentrado de urânio espalhado no meio ambiente do trabalho. O Sindicato dos Mineradores de Brumado e Região afirma que 400 kg do urânio (em pó) vazaram para o meio ambiente, enquanto a INB diz que foram apenas 100 kg, que o vazamento foi contido e que a área foi limpa. Mas não disse qual tratamento deu aos trabalhadores que respiraram concentrado de urânio.
Esta é a segunda ocorrência, grave, ocorrida em cerca de um ano, na área de entamboramento de urânio, cujas atividades foram interditadas, em julho de 2011, pela auditora do Ministério do Trabalho, Fernanda Giannasi, pelo assessor do Ministério Público do Rio de Janeiro, Robson Spinelli Gomes e pelo auditor fiscal do trabalho (SRTE/BA) Rames Chahine, durante inspeção dos Ministérios Públicos do Trabalho (Federal) e Estadual. Naquela oportunidade, os operários enfrentaram um dos maiores riscos de contaminação coletiva ocorrida no meio ambiente do trabalho, devido ao episódio que ficou conhecido nacionalmente, quando uma revolta popular tentou impedir a entrada em Caetité de 90 toneladas de material radioativo, em maio do ano passado.
O produto, que estava em tambores lacrados há 30 anos, veio do Centro de Pesquisa da Marinha (Iperó/SP) para a Bahia, onde os trabalhadores foram obrigados a manipular o produto, de forma improvisada, sem a segurança necessária para quem trabalha com material radioativo e alguns deles passaram mal. Agora a preocupação é bem maior, pois é a segunda vez que foram expostos a tão alto risco de contaminação na manipulação de produto altamente radioativo, sem que os órgãos fiscalizadores tomem as medidas cabíveis. Além da interdição, em 2011 os auditores do MTE lavraram cinco Autos de Infração voltados para a proteção da saúde dos trabalhadores e notificação para a aposentadoria especial aos 20 anos de trabalho, negada pela INB.
É necessário lembrar que por causa das ilegalidades que envolveram o transporte e a reembalagem da carga radioativa vinda de São Paulo, também o IBAMA embargou a área, onde são feitas atividades de precipitação, filtração, secagem e embalagem do pó de urânio, que vai para o exterior para ser enriquecido e volta para o Brasil, onde é transformado no combustível das usinas atômicas de Angra dos Reis (RJ). E aplicou duas multas à INB, nos valores de R$600 mil, em junho, e R$2 milhões, em agosto.
Na mesma inspeção de julho de 2011, uma equipe técnica da Fundação Nacional de Saúde –FUNASA constatou que o Governo da Bahia e os prefeitos de Caetité e Lagoa Real não estão cumprindo as determinações da liminar concedida pelo juiz de Direito de Caetité a uma Ação Civil Pública, movida pelo Ministério Público Estadual, em 2009, contra a INB, o Estado da Bahia e os referidos municípios. A FUNASA comprovou tudo que os movimentos sociais e populares vêm denunciando e pedindo providencias, há anos, sem que as autoridades competentes atendam os seus reclamos. Ao que se sabe, o relatório da FUNASA não produziu efeito.
E qual o desdobramento disto? Nem um. Impunidade total. Pior: alguns gestores públicos cometem outros tipos de irregularidades para atender às pressões do setor nuclear. No caso da interdição pelo MTE, o laudo técnico conjunto, assinado por três autoridades constituídas, foi ignorado pelo mesmo técnico Rames Chahine, da União Gerência Regional do Trabalho e Emprego em Vitória da Conquista, que o assinara. Ele e Deraldo de Oliveira Brito, num ato flagrante de irregularidade administrativa assinaram Termo de Suspensão de Interdição, sem fazer o laudo técnico prévio, que antecede qualquer desembargo, registrando as providências corretivas adotadas pela empresa.
Este fato, inclusive levou o procurador do Ministério Público do Trabalho, Antônio Marcos da Silva de Jesus a entrar com Mandado de Segurança contra a desinterdição da área. Afinal era do conhecimento público que a maioria das recomendações contidas no Termo de Interdição não foi implementada. Além disto, o MPF considerou que não se deve tolerar que auditores fiscais do trabalho, deixem a lei de lado e façam pouco caso dos direitos de trabalhadores, levantando interdição sem fundamento, sem prévio e circunstanciado laudo técnico, que ateste o afastamento dos graves riscos para saúde dos trabalhadores. Provavelmente, se os técnicos da SRTE/BA tivessem sido mais zelosos no cumprimento das suas obrigações, talvez este acidente não tivesse ocorrido.
Mais ágil ainda, quando se trata de obedecer às ordens do setor nuclear, a Superintendência do IBAMA no Estado da Bahia logo no início de agosto já tinha tornado sem efeito, o embargo da área de entamboramento e a multa aplicados por seus técnicos, alegando que medidas desta natureza, dependem de aprovação prévia do presidente do IBAMA.
Registramos, finalmente, que desde o inicio da operação da INB, em 2000, a mineradora vem sendo alvo de denúncias, inquéritos, autuações e multas por órgãos ambientais e profissionais. Foi, inclusive, acusada de imperícia e negligência pelo órgão controlador das suas atividades, a Comissão Nacional de Energia Nuclear, a CNEN. É acusada ainda de desrespeitar a legislação ambiental e convenções nacionais e internacionais de segurança. As populações da região criticam a omissão do Estado e a falta de medidas concretas frente às suas demandas por soluções urgentes para os problemas que enfrentam, principalmente a escassez e a contaminação da água.
Afinal, os fatos aqui mencionados só concorrem para aumentar as preocupações com os riscos inerentes ao setor nuclear na Bahia, que, como dito, registra uma grande frequência de denúncias de irregularidades e acidentes operacionais, ou com trabalhadores, envolvendo as atividades na URA/Caetité e o embarque de urânio pelo Porto de Salvador.
Devido à gravidade da situação, apontada ainda por vários órgãos de fiscalização que participaram da inspeção no ano passado, dirigimo-nos a V. Sa. para indagar se está informada das reais circunstância da última ocorrência e quais providências foram tomadas por este órgão para garantir a integridade da saúde dos trabalhadores, em especial aqueles que se envolveram mais diretamente no episódio. São fatos que também evidenciam a necessidade de uma urgente inspeção multidisciplinar, independente e qualificada como já requereu o Ministério Público Federal e a população vem exigindo desde 2001.
Agradecendo, antecipadamente, a atenção,
atenciosamente,
Zoraide Vilasboas
Coordenação de Comunicação