Atividades realizadas na Tenda durante o Fórum Social Mundial (FSM), ocorrido de 13 a 17 de março na Universidade Federal da Bahia (UFBA), evidenciaram que a resposta à barbárie capitalista é a sociedade do Bem Viver, na qual não têm lugar: o agro e o hidronegócio, que violentam a humanidade com a espoliação de territórios; o agroveneno nos alimentos; a privatização da água; a expropriação nem a entrega dos bens comuns do povo e da natureza a grandes corporações privadas. Também não têm vez a indústria bélica, nem o uso da tecnologia nuclear para produzir energia elétrica.
A Tenda foi aberta com uma abordagem acadêmica sobre o Bem Viver que inspirou o fio condutor de debates sobre a defesa dos bens comuns –contra a mercantilização da vida e da natureza– ao longo de dois dias do FSM. Já exemplos práticos das possibilidades de se atingir o estado de Bem Viver foram revelados no último evento de pescador@s e quilombolas, povos originários e tradicionais, que cultuam o lema “outro mundo é possível” em seu universo de sabedoria e convivência. Nesta perspectiva, o Nuclear Não! emergiu, mais uma vez, como incontestável afirmação da importância das fontes renováveis de energia –que promovem a Vida e não a morte, como é o caso da nuclear– e do fortalecimento da cultura da paz, a favor do desarmamento, amplo, geral e irrestrito.
Água é Vida!
Profundamente associado à proposta do Bem Viver, o lema Água é Vida –inspirador de ações de ativistas socioambientais baianos desde o FSM/2015, Tunísia– foi outra fonte de ânimo na Tenda. Atividades abordaram os conflitos pelo acesso a esse bem comum, o uso intensivo do produto pela agroindústria e na produção de energia elétrica, e os altos níveis de contaminação das águas devido à falta de saneamento ambiental e à mineração, em especial do urânio de Caetité (BA) para a geração de energia nuclear nas usinas atômicas de Angra dos Reis (RJ).
Os debates sobre a matriz energética reafirmaram a opção pelas fontes renováveis de energia e repeliram o emprego da tecnologia nuclear para produção de energia elétrica (perigosa, poluente, cara) por ser insustentável social, econômica e ambientalmente. O “Diálogo antinuclear” contou com a participação de representantes do Brasil, França, Suíça, Japão, Irã e outros países evidenciando que a energia nuclear é a energia da morte e que em todo o mundo cresce a mobilização por fontes renováveis. A informação de que no FSM Antinuclear, Civil e Militar, ocorrido em novembro de 2017 (França), saiu a orientação de reforçar a luta contra a mineração de urânio em todo o mundo, entusiasmou os ativistas, especialmente da Bahia e Ceará, que combatem a expansão dessa mineração no Brasil.
O representante da Coalizão por um Brasil Livre de Usinas Nucleares, Chico Whitaker, propôs o envio de uma Carta Aberta (http://brasilantinuclear.ning.com/profiles/blogs/risco-da-construcao-da-usina-atomica-angra-3-no-rio-de-janeiro) exigindo uma auditoria internacional independente sobre o projeto da usina de Angra 3, à Procuradoria Geral da República, à qual já pedimos a suspensão da conclusão dessa obra, paralisada desde 2015, após denúncia de corrupção pela LavaJato, que levou à prisão vários dirigentes da Eletronuclear.
Naturalização dos riscos
Ainda no campo antinuclear, tivemos a participação de pesquisadoras na roda de conversa sobre Mineração de urânio, passado, presente e futuro ocorrida na Tenda, mas também ao ar livre. Uma pesquisa sobre Riscos de Contaminação Ambiental e Humana Relacionados à Exploração da Unidade de Concentrado de Urânio no Sudoeste da Bahia, vem sendo desenvolvida pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde, Ambiente e Trabalho/UFBA. A coordenadora da pesquisa Cláudia d’Arêde relatou que o estudo iniciado em 2013 aponta a imposição da naturalização dos riscos, a fim de se tentar minimizar o perigo da contaminação das águas na região; o preocupante adoecimento de trabalhadores e moradores do entorno da mina, por exposição à radiação ionizante e a crescente degradação do meio ambiente. Acrescentou que as condições ambientais em Caetité, Lagoa Real e outros municípios expõem milhares de pessoas a possível risco.
A falta de acesso à água potável foi um dos problemas mais citados pelos entrevistados nas comunidades. Eles afirmam que a falta de água começou a partir da implantação da empresa. Em 2017, foi feita uma análise da qualidade das águas usadas para consumo humano de 15 poços de comunidades próximas à mina e quatro poços, distantes, usados para comparação. Em quatro das amostras do entorno da mina a concentração do urânio superou o Valor Máximo Permitido (VMP) pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (15 ug/L), chegando a atingir 28,93 na localidade de Gameleira/Buracão. Em outras quatro amostras o índice estava acima da metade do valor da VMP.
A profa. Raquel Rigotto, do Núcleo Tramas da Universidade Federal do Ceará, narrou a resistência e luta dos cearenses para impedir a expansão da mineração de urânio no Ceará, onde o mineral apresenta-se misturado ao fosfato. Ali, as irregularidades do licenciamento ambiental e o próprio desafio do emprego de uma tecnologia inédita para separar os dois minerais têm retardado a exploração do urânio de Santa Quitéria (CE). Há uma grande preocupação com a possibilidade da radioatividade alcançar a produção de alimentos no Brasil, através de fertilizantes produzidos a partir do fosfato cearense.
Ágora do Futuro
Uma vivencia inédita encerrou o FSM/2018. A Ágora dos Futuros agitou a Praça das Artes (campus Ondina/UFBA), na manhã do dia de17, quando as atenções se voltaram para a formação de alianças e fortalecimentos das resistências e lutas. Foi um momento de troca de informações entre as iniciativas já existentes e outras nascidas no FSM com o fim de reforçar contatos e articulações para o futuro. Militantes antinucleares divulgaram o Acampamento Antinuclear Internacional de Verão (agosto/18, França), o FSM Extrativismo/Mineração (novembro/18, África do Sul) e o FSM Antinuclear, Civil e Militar (2019, Espanha). As ações anunciadas vão para um calendário virtual de atividades a serem realizadas no mundo de março até o fim de 2019. Esta primeira experiência da Ágora será aprimorada para as próximas edições do FSM.
As entidades organizadoras da tenda foram a Articulação Antinuclear Brasileira, Associação Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça, Cidadania, COESA–Conselho das Entidades Sociombientalistas-BA e o Programa de Pós-Graduação em Saúde, Ambiente e Trabalho (UFBA), envolvendo cerca de 20 entidades e movimentos parceiros.
Zoraide Vilasboa
Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça, Cidadania / Articulação Antinuclear Brasileira
Carta Aberta à Dra. Raquel Dodge, DD Procuradora-Geral da República
Salvador, 14 de março de 2018
Os participantes brasileiros do Dialogo Brasil-França-Japão-Suíça em questões nucleares, atividade de debate e reflexão que teve lugar no Fórum Social Mundial realizado em Salvador da Bahia de 13 a 17 de março de 2018, consideraram imprescindível e urgente dirigir esta Carta Aberta a V.Exa. ao tomarem conhecimento do risco de retomada da obra da usina nuclear de Angra 3 com um projeto obsoleto, elaborado na década de 70.
Em país nenhum do mundo se inicia hoje em dia a construção de usinas nucleares com projetos elaborados antes de 1979, data em ocorreu em Three Miles Island, nos Estados Unidos, um acidente de tipo novo, até então considerado impossível: uma série de falhas combinadas leva à perda do controle da elevação da temperatura do reator nuclear, que funde, o que pode ser seguido da explosão da usina. Este tipo de acidente, chamado “severo”, tem como consequência catástrofes ambientais e sociais como as que assombraram o mundo quando um segundo voltou a ocorrer em 1986, em Chernobyl na então União Soviética, e um terceiro em 2011, em Fukushima no Japão, com a disseminação de grandes quantidades de partículas radioativas em vastos territórios. Diante disso a Agência Internacional de Energia Atômica elaborou novas normas de segurança, para evitar esses acidentes ou pelo menos mitigar seus efeitos calamitosos. Ora, projetos elaborados antes disso não poderiam evidentemente levar em conta essas normas.
Se o projeto da usina de Angra 3 não for atualizado poderemos ter a infelicidade de que um acidente como esse ocorra em nosso país, agravado pelo risco das partículas radioativas disseminadas chegarem até as duas maiores capitais brasileiras.
São extremamente preocupantes as iniciativas que estão sendo tomadas celeremente pela ELETRONUCLEAR para uma retomada da obra sem que essa atualização tenha sido feita, contrariando o mais elementar bom senso e de novo sem levar em conta as recomendações nesse sentido feitas pelo Ministério Publico em 2010 (conforme o processo inconcluso no.1.30.014000123/2009-43, iniciado em 30/09/2009 pela Procuradoria da República em Angra dos Reis). Além disso, a ELETRONUCLEAR não está revendo nem mesmo o Plano de Emergência para a evacuação dos moradores da região, em caso de acidente, Plano esse que considera somente a possibilidade de acidentes menos graves.
Cabe, portanto, determinar que seja feita uma auditoria internacional independente que verifique se o projeto de Angra 3 atende às atuais exigências de segurança, assim como defina as mudanças a fazer no Plano de Emergência.
Considerando que o Ministério Público é, nos termos da Constituição da República, o defensor dos interesses difusos da sociedade, os cidadãos e cidadãs que subscrevem a presente Carta Aberta estão seguros de que seu pleito será atendido por V.Excia., frente a uma grave irresponsabilidade funcional de agentes públicos que poderá vitimar milhares de brasileiros.
Atenciosamente,
Subscrevo a Carta Aberta de 14/03/2018 à Procuradora-Geral da República.
Nome e assinatura, cidade e Estado de moradia, organização de que participa
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