Enterrando Tchernobyl

Por Henry Fountain, para o Mundo Sustentável

Tendo ao fundo um horizonte de construções em decadência, uma obra de engenharia singular está sendo erguida perto dos resquícios do pior desastre nuclear civil do mundo.

Com grossas lajes de concreto protegendo-os contra a radiação, operários estão construindo um arco enorme, revestido de hectares de aço inoxidável reluzente.

O plano é, em 2017, empurrar sobre almofadas de teflon o arco de 29 mil toneladas para que cubra o abrigo improvisado que foi construído para sepultar os resquícios radiativos do reator que explodiu e queimou no local em abril de 1986.

Ao praticamente eliminar o risco de contaminação atmosférica adicional, o arco vai acabar com a ameaça ainda presente de uma repetição, mesmo que limitada, daquele pesadelo de 28 anos atrás, quando a precipitação radiativa envenenou a planície por quilômetros em volta da usina, convertendo vilarejos em cidades fantasmas.

Primeira foto tirada da usina de Chernobyl horas após a explosão. O fotógrafo, Anatoliy Rasskazov, relatou que qualidade da foto foi afetada após o contato do filme com as partículas radioativas do ar e falhas na máquina. 26/04/1986. Foto: Anatoliy Rasskazov/AP. Reproduzida do Estadão.

Primeira foto tirada da usina de Chernobyl horas após a explosão. O fotógrafo, Anatoliy Rasskazov, relatou que qualidade da foto foi afetada após o contato do filme com as partículas radioativas do ar e falhas na máquina. 26/04/1986. Foto: Anatoliy Rasskazov/AP. Reproduzida do Estadão.

O arco também vai permitir o início da etapa final da limpeza de Tchernobyl -a retirada dos escombros do reator, fortemente contaminados, para um local de armazenagem segura permanente.

O fato de que esse trabalho sairá de mãos internacionais para as da Ucrânia traz novos receios, especialmente neste momento em que a Rússia ameaça as fronteiras do país.  Por enquanto, porém, a construção do arco é um sinal de progresso.

Com vários países discutindo o futuro da energia atômica como uma maneira de reduzir as emissões de gases que provocam o efeito estufa, o arco também serve para lembrar que a energia nuclear, não obstante todos seus benefícios, possui riscos enormes.  Quando alguma coisa dá errado, seguem-se dificuldades imensas.

A contenção e a limpeza após desastres nucleares levam a capacidade da engenharia até o limite, como também o Japão está descobrindo desde os derretimentos na usina nuclear de Fukushima, em 2011.

Os custos são enormes.  Apenas o arco de Tchernobyl custará cerca de US$ 1,5 bilhão (R$ 3,33 bilhões), financiado em grande parte pelos Estados Unidos e 30 outros países.  E para tornar o local de um desastre radiativo realmente seguro outra vez podem ser necessárias várias gerações.

Os engenheiros projetaram o arco de Tchernobyl para resistir por cem anos; eles estimam que esse pode ser o tempo necessário para limpar a área por completo.

Mas sempre houve dúvidas sobre o engajamento de longo prazo da Ucrânia, e as tensões e turbulência política com a Rússia levantam novas preocupações.  Assim, é possível que nem um século seja suficiente.

Mas o arco é uma estrutura formidável, disse Vince Novak, diretor de segurança nuclear do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento, que administra o financiamento da obra.  Se for preciso, disse ele, “pode durar 300 anos ou mais”.

O acidente de Tchernobyl expeliu material radioativo em todas as direções.  A explosão foi seguida por um incêndio que liberou ainda mais contaminantes na atmosfera, que foram levados pelos ventos para a Europa ocidental.

Desse modo, a tragédia difere dos dois outros grandes desastres da energia nuclear -o da usina de Three Mile Island, na Pensilvânia, em 1979, e o da usina de Fukushima, três anos atrás.

Nos dois casos, os núcleos dos reatores derreteram, mas o combustível nuclear ficou dentro das estruturas de contenção.

Os quatro reatores de Tchernobyl não tinham essa contenção.  E o controle da reação de fissão nuclear era temperamental.  Sob determinadas condições, a energia do reator podia sair de controle rapidamente.

Foi isso o que aconteceu em 26 de abril de 1986 na Unidade 4 de Tchernobyl, durante um teste imprudente.  A energia do reator aumentou exponencialmente em segundos, e o núcleo foi explodido por vapor.

Alguns trabalhadores morreram imediatamente, mas a maioria dos técnicos da Unidade 4, além dos bombeiros que atenderam ao pedido de socorro, sofreu morte agonizante nas semanas seguintes.

Oficialmente, várias dezenas de pessoas morreram e muitas outras adoeceram.  A radiação também foi o motivo para milhares de cânceres posteriores.

Imediatamente após o desastre, as autoridades soviéticas levaram militares para combater o incêndio no reator e retiraram os moradores dos vilarejos próximos e da cidade de Pripyat, onde vivia a maioria dos profissionais da usina, com suas famílias.  Foram contratados operários para construir a toque de caixa o abrigo de concreto e aço chamado de “sarcófago”.

Quando o nível de exposição deles à radiação subia demais, os operários eram substituídos por outros.  Mais de meio milhão de pessoas, ao todo, participaram do trabalho inicial de limpeza.

Ainda há uma zona de exclusão de 2.600 quilômetros quadrados em volta da usina.  Embora os níveis de radiação tenham caído um pouco graças ao processo natural de decadência radiativa, a área segue virtualmente vazia.

Em Pripyat, onde antes viviam 45 mil pessoas, a pintura dos murais do centro comunitário está descascada e uma árvore está crescendo no meio do piso de um ginásio de esportes.  Situada perto da fronteira norte da Ucrânia, Tchernobyl fica longe da Crimeia e outros territórios disputados.

O trabalho do especialista em radiação Artur Korneiev, 65, era localizar o combustível dentro do sarcófago e determinar os níveis de radiação, para limitar a exposição de outros trabalhadores.

Hoje em dia Korneiev trabalha na unidade administrativa do projeto, mas, devido à sua saúde -ele tem cataratas e outros problemas ligados à exposição à radiação que sofreu nos três primeiros anos-, não pode mais entrar dentro da usina.  Ele explica, brincando: “A radiação soviética é a melhor radiação do mundo”.

Korneiev foi uma das primeiras pessoas a alertar especialistas ocidentais que o sarcófago estava em mau estado.  Alarmado com a possibilidade de outra grande liberação de radiatividade, o G7 concordou em 1994 em financiar os trabalhos para garantir a segurança da Unidade 4.

Mas a conclusão da construção do arco vai exigir outras várias centenas de milhões de dólares dos países doadores.

Para Nicolas Caille, diretor de projeto da Novarka, o consórcio de construtoras francesas que está construindo o arco, esse trabalho é diferente de qualquer outro.  “Qual tem sido o maior desafio?”, perguntou.  “Tudo, simplesmente cada coisa.”

Ele explicou que é preciso controlar a ferrugem para manter uma estrutura de ação em pé por mais de um século.  “Pintura”, ele disse.  “A torre Eiffel, por exemplo, é pintada a cada 15 anos.

Mas quando o arco estiver posicionado sobre o reator arruinado da Unidade 4, os níveis de radiação serão altos.  Não haverá meio seguro de operários rasparem e repintarem o revestimento da estrutura ou suas amarras.

Deixado sem proteção, o aço enferrujará, e a estrutura acabará por se deteriorar.  Tanto a parte externa quanto a interna estão sendo revestidas de aço inoxidável, à prova de ferrugem.

O americano Laurin Dodd, que deixou a Ucrânia recentemente depois de atuar como gerente geral do projeto do arco, disse que, depois de o arco ter sido posicionado, o plano é que a Ucrânia comece a retirar as estruturas instáveis e o combustível restante.

Isso impedirá a radiação de chegar ao lençol freático, o que colocaria em risco o abastecimento de água dos 3 milhões de habitantes de Kiev.  A Ucrânia também precisa construir um repositório para todos os dejetos de alto nível que recuperar.

Mas, mesmo que haja dinheiro suficiente para isso, restam dúvidas técnicas quanto à possibilidade de o trabalho ser realizado.

Em Three Mile Island, todo o combustível ficou dentro do recipiente de contenção.  Mesmo assim, foi preciso mais de dez anos, para removê-lo em segurança, usando controle remoto.

Será uma tarefa mais complexa retirar o combustível e o lixo da Unidade 4, dilacerada pela explosão e destruída pelo incêndio e os esforços para contê-lo.

Antes da turbulência, disse Novak, já havia receios em relação a pedir mais dinheiro aos doadores.  “Mas o risco de deixar este programa inteiro inacabado é uma perspectiva que acho que ninguém quereria contemplar”, ele afirmou.

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