Governo admite que, sem construir barragens, matriz energética muda

Do Jornal do Comércio

Pela primeira vez, o governo federal admite que, sem poder construir novas hidrelétricas com reservatórios, terá que recorrer a usinas térmicas como nuclear, a carvão e a gás natural para operar na base do sistema, ou seja, de forma permanente, para garantir a segurança energética do País no futuro. O anúncio foi feito na semana passada pelo secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia (MME), Altino Ventura.

Com isso, em meio à crise do setor elétrico, a matriz energética brasileira, uma das mais limpas do mundo, tende a se tornar mais suja nas próximas décadas, principalmente com o avanço das usinas a carvão. Somente nos últimos cinco anos, a geração térmica, operando hoje a plena carga devido aos níveis baixos dos reservatórios, subiu de 7,09% do consumo total para 23,1%, um aumento superior a três vezes. Além disso, a nuclear, com Angra 1 e 2, subiu de 2,55% para 3,24%, segundo dados do Operador Nacional do Sistema (ONS).

Na contramão do mundo, que cada vez mais busca fontes renováveis, o Brasil passará a ter as usinas nucleares, a carvão mineral e a gás natural na base para garantir o fornecimento de energia junto com as usinas hidrelétricas, confirmou o secretário Ventura. Segundo o executivo, ficará muito claro no Plano Nacional de Energia 2050, que o MME está desenvolvendo, a necessidade da utilização de energia nuclear para operar na base do sistema, ou seja, não de forma complementar como são hoje a maioria das usinas térmicas a gás ou a óleo e de biomassa, entre outras.

Assim, a expectativa é de uma mudança mais radical a longo prazo na estrutura da matriz elétrica brasileira. “Em algum momento, o Plano Decenal, quando chegar próximo a 2025, não terá mais (novas) hidrelétricas, e nesse momento o Brasil terá que buscar outras soluções, que não é só a nuclear, tem gás natural e carvão mineral”, destacou Ventura.

Assim, segundo o secretário, após 2025, o Brasil vai passar por uma transição, de uma expansão majoritariamente hidrelétrica para térmicas de base com custo de combustível baixo. Érico Evaristo, presidente da Bolt Comercializadora, afirma que o Brasil já é classificado como um país hidrotérmico. “Por questões ambientais não são construídas mais hidrelétricas com reservatórios e sim apenas as chamadas a fio d’água, que só geram energia no período úmido. Então, por uma questão energética, a solução são as térmicas, já que, nos últimos dez anos, a capacidade de armazenar água nos reservatórios é praticamente a mesma no País”, disse Evaristo.

Segundo Ventura, nesse horizonte, após 2015 o Brasil vai passar a próxima década em uma transição de uma expansão majoritariamente hidrelétrica para térmicas de base com custo de combustível baixo. “Claro que vamos complementar esse programa térmico com as fontes renováveis como a eólica, o bagaço de cana, a solar, que certamente terão seu espaço. E essas fontes alternativas, novas, terão um papel importante complementar, pois não se imagina atender o mercado de energia brasileiro só com essas fontes. Tem que ter uma fonte de base, que são as térmicas”, afirmou o secretário.

Ventura disse também que o governo federal continua trabalhando com a previsão de construir mais quatro usinas nucleares, de 1 mil megawatts (MW) de potência cada uma, até 2030. Ele afirma que já é certo que até 2015 o País não terá novas centrais nucleares além das atuais Angra 1, Angra 2 e de Angra 3, esta última ainda em construção. Mas o governo continua realizando estudos para detalhar, entre outras coisas, qual será a nova tecnologia que terá utilização para as próximas centrais, que serão importantes para o suprimento de energia para o Brasil no longo prazo.

Os locais para a possível localização das novas usinas nucleares já estão escolhidos e ficam no Nordeste, Sudeste e também na região Sul. De acordo com o secretário, a partir da decisão do governo federal em retomar a construção de novas usinas, todos esses estudos de tecnologia e licenciamentos seriam intensificados para a usina entrar em operação 10 anos após essa decisão. Ventura lembra, no entanto, que governo federal e Congresso Nacional precisam aprovar as novas construções.

Angra esgota depósito de rejeitos, o que interessa a empresa russa

Os russos estão interessados no problema do lixo atômico (rejeitos das centrais nucleares) no Brasil. O vice-presidente da Rusatom International Network, subsidiária da estatal russa de energia nuclear Rosatom, Ivan Dybov, informou que a companhia vê oportunidades no Brasil, não apenas na construção de centrais nucleares, mas na oferta de soluções como a construção de tanques para o depósito final dos rejeitos radioativos, além de equipamentos para outras áreas do setor, como energia eólica.

Dybov anunciou que, para incrementar os negócios no Brasil, a Rosatom decidiu criar uma subsidiária que atuará em toda a América Latina. Ela ficará instalada no Rio e deve ser aberta ainda este ano, com cerca de 20 empregados.

A usina nuclear Angra 2 corre o risco de ser desligada em 2017 em razão do esgotamento dos depósitos de rejeitos radioativos, de acordo com a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen). A mesma situação pode se repetir com Angra 1, em 2018 ou 2019. A avaliação da Cnen foi encaminhada ao Tribunal de Contas da União (TCU).

Os interesses no Brasil são diversos e incluem, além da construção de usinas nucleares, a oferta de serviços na área de radioisótopos para medicina nuclear, equipamentos e serviços para outras áreas do setor energético, como na energia eólica. Na área de rejeitos de centrais nucleares, Dybov destacou que a empresa pode prestar serviços com a tecnologia de construção de tanques de armazenamento.

Segundo o executivo, estão em operação na Rússia 33 usinas nucleares com um total de 22 mil megawatts (MW) de capacidade, além de outras nove em construção. Em outros países, como Índia, China e Turquia, entre outros, a Rosatom conta com outras 22 centrais nucleares em construção. De acordo com as projeções de Dybov, até 2030 a Rosatom terá em construção 80 novas centrais nucleares ao todo.

Passados alguns anos após o acidente de Fukushima, no Japão, com um terremoto seguido de tsunami em 2011, o mercado não mostra sinais de mudanças mais drásticas, segundo o executivo. A Alemanha já tinha decidido parar seu programa nuclear antes do acidente. Todos os países reavaliaram os parâmetros de segurança e depois, todos continuaram desenvolvendo seus programas nucleares, como China, Índia e Inglaterra, entre outros.

Segundo o secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia, Altino Ventura, o governo deve construir mais quatro usinas nucleares, de 1 mil megawatts cada, até 2030. Ele avalia, no entanto, que até 2025 o País não terá novas centrais, além das atuais Angra 1, Angra 2 e da futura Angra 3, em construção.

O assistente da Diretoria Técnica da Eletronuclear, Paulo Carneiro, afirma que a estatal espera receber, neste mês, a autorização da Eletrobras para assinar dois contratos de montagem eletromecânica de Angra 3 de cerca de R$ 3 bilhões. “A Eletrobras quis conhecer melhor os valores envolvidos, as propostas vieram dentro dos limites da licitação. Os esclarecimentos foram dados e a expectativa é que a contratação seja aprovada”, explicou Carneiro, lembrando que a nova usina deverá entrar em operação daqui a quatro anos, em 2018.

MME descarta racionamento e diz que sistema do País está equilibrado

O presidente da Eletrobras, José da Costa Carvalho Neto, disse, na semana passada, que ainda é cedo para falar em racionamento de energia, apesar da situação hidrológica do País e do baixo nível dos reservatórios das usinas hidrelétricas. “A falta de chuva é conjuntural. A probabilidade de racionamento ainda não é alta, mas economia de energia é sempre importante”, afirmou, em audiência na Comissão de Desenvolvimento Econômico da Câmara dos Deputados.

Carvalho Neto admitiu que as tarifas de energia devem continuar subindo, neste e no próximo ano, para cobrir o alto custo da energia térmica, mas reforçou que esse aumento se dá sobre uma base menor de custo para os consumidores, após a renovação das concessões, que culminou com um desconto de 20% nas contas no começo de 2013. “Esse reajuste conjuntural nas faturas seria muito maior se não houvesse uma redução estrutural nas tarifas desde o ano passado.”

Para o secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia (MME), Altino Ventura, o sistema energético do País está “equilibrado” para garantir o fornecimento sem a necessidade de racionamento em 2014. “Temos condições de atender ao mercado previsto até o fim do período seco sem racionamento”, afirmou Ventura, durante o Seminário Internacional de Energia Nuclear, no Rio.

“Todas as análises mostram que o sistema está estruturalmente equilibrado. A visão do ministério é de que o sistema brasileiro está dimensionado estruturalmente e conjunturalmente”, disse Ventura, para quem o “equilíbrio da oferta e da demanda” é amplamente discutido, a partir do monitoramento feito há mais de 81 anos sobre o comportamento hidrológico do País. “Pode até ser que haja cenários piores, alguns fenômenos, mas nós não consideramos.”

O secretário defendeu ainda que “o problema das distribuidoras foi resolvido”, em referência aos empréstimos concedidos pelo governo, via Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), para compensar as perdas com a atual crise do setor. “Podem ser feitos ajustes, mas foi resolvido”, garantiu. Quanto às empresas geradoras, entretanto, ele disse que a atual situação é “um risco hidrológico” próprio do negócio. “O leilão A-0 foi um sucesso, a parcela sem cobertura foi pequena. Para as geradoras, há um risco hidrológico ligado à diferença entre a geração e o valor cobrado pelo que entregaria”, explicou.

Ventura ainda confirmou que o governo federal mantém a previsão de criar quatro usinas de energia nuclear “no horizonte de 2030”. Em algum momento o plano pode identificar outras soluções, não só nuclear. Mas não há uma decisão”, afirmou. Segundo ele, o Brasil busca diversificar sua matriz energética. “Na próxima década o País vai passar por uma transição da expansão majoritariamente hidrelétrica e terá de buscar outras fontes, mas sempre terá térmicas de base mistas, de carvão, gás e nuclear. Não se imagina atender ao mercado só com as energias renováveis”, afirmou ele.

Energias do Brasil considera atual quadro prejudicial para a empresa

O presidente da Energias do Brasil, Miguel Setas, afirmou, na semana passada, que o atual cenário do mercado elétrico brasileiro é prejudicial para a empresa. “O impacto desse quadro do mercado é obviamente negativo ao negócio”, disse durante o EDP Investor Day 2014 realizado em Londres. A portuguesa EDP é a controladora da Energias do Brasil. Um dos problemas apontados pelo executivo são os resultados gerados pela necessidade de reforçar a geração termoelétrica – opção mais cara que a energia hidrelétrica – e eventuais compras no mercado à vista ou spot – cujos preços são maiores do que os negociados previamente. “Isso vai gerando déficits e se acumula”, disse Setas, ao comentar o impacto do atual cenário elétrico do Brasil sobre os negócios de geração e distribuição.

O executivo reconheceu que o governo anunciou medidas, como os recursos do Tesouro Nacional para o setor e o crédito oferecido por bancos públicos para as elétricas. “Essas medidas ajudam a fechar essa diferença. Mas esse déficit eventualmente vai ser repassado para o consumidor, via tarifa, no futuro”, disse. Aos investidores europeus, o presidente da Energias do Brasil explicou que a atual situação do mercado brasileiro foi gerada especialmente pela falta de chuvas e atrasos na conclusão de novos projetos. “Estamos vivendo um dos piores períodos de chuvas em muitas décadas. O volume de chuvas está muito próximo do mínimo histórico registrado em 1955”, disse.

Apesar da falta de chuvas, o executivo mostrou que o problema não pode ser atribuído apenas aos fatores climáticos. “Parte da nova capacidade do setor foi cancelada ou está com a execução atrasada”, disse, ao exibir um quadro que mostra projetos que somam 7.000 MW que foram cancelados ou estão atrasados. “Tudo isso significa um verdadeiro teste de estresse para o sistema”.

Apesar da avaliação negativa e ao fato de a empresa estudar um plano de contingência para o caso de racionamento elétrico, o executivo nota que o Brasil está melhor preparado do que em 2001. “Naquele ano, só 10% da capacidade de geração vinha das termoelétricas. Agora, é mais que o dobro, 23% da geração está nas termoelétricas. Isso está balanceando os fatores que vêm estressando o sistema”, disse.

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