Alto índice de radiação em Tóquio aponta para problemas maiores

Publicado em 15 de outubro de 2011 na UOL Notícias.

Hiroko Tabuchi
Em Tóquio (Japão)
The New York Times

Takeo Hayashida se inscreveu em um grupo de cidadãos para testar a radiação perto do campo de beisebol de seu filho em Tóquio, depois que autoridades do governo lhe disseram que não tinham planos de checar a precipitação radioativa da devastada usina nuclear de Fukushima Daiichi. Assim como o governo central do Japão, as autoridades locais disseram que não havia nada a temer na capital, a mais de 250 quilômetros da zona de desastre.
Então veio o resultado do teste: o nível de césio radioativo em um trecho de terra a poucos metros de onde seu filho de 11 anos, Koshiro, jogava beisebol era igual ao de algumas das áreas contaminadas ao redor de Chernobyl.
O trecho de terra era um dos mais de 20 pontos na capital e arredores que o grupo de cidadãos e o centro de pesquisa nuclear com o qual trabalham apontou como estando contaminados com níveis potencialmente prejudiciais de césio radioativo.
Está claro desde os primeiros dias do acidente nuclear, o segundo pior do mundo depois de Chernobyl, que os caprichos do vento e da chuva espalharam quantidades preocupantes de materiais radioativos, em padrões inesperados, muito além da zona de evacuação de 19 quilômetros ao redor da usina. Mas relatos de quantidades substanciais de césio acumuladas na distante e densamente povoada Tóquio aumentaram a preocupação sobre quão longe a contaminação se espalhou, possivelmente em áreas onde o governo nem mesmo considerou olhar.
O fracasso do governo em agir rapidamente, diz um coro crescente de cientistas, pode ter exposto muito mais pessoas do que se acreditava originalmente a uma radiação potencialmente prejudicial. Também faz parte de um padrão: os líderes do Japão insistiam que a precipitação radioativa de Fukushima não se espalharia para longe, não representaria ameaça à saúde dos moradores e nem contaminaria a cadeia de alimentos. E as autoridades foram repetidamente refutadas pelos especialistas independentes e pelos grupos de cidadãos que passaram a realizar seus próprios testes.
“Substâncias radioativas estão entrando nos corpos das pessoas pelo ar, pela comida. Elas estão em toda parte”, disse Kiyoshi Toda, um especialista em radiação da faculdade de estudos ambientais da Universidade de Nagasaki e médico. “Mas o governo nem mesmo tenta informar à população sobre a quanta radiação está exposta.”
Os relatos de pontos de contaminação não indicam quão disseminada está a contaminação na capital; mais amostras seriam necessárias para determinar isso. Mas eles aumentam a perspectiva de que as pessoas que vivem perto de quantidades concentradas de césio estão expostas a níveis de radiação acima dos padrões internacionais aceitos, que visam proteger as pessoas de câncer e outros males.
Ativistas e especialistas nucleares japoneses começaram a pressionar por testes mais abrangentes em Tóquio e em outros lugares, e pela realização de uma limpeza se necessário.
Robert Alvarez, um ex-assistente especial do secretário de Energia dos Estados Unidos e um perito nuclear, repetiu esses apelos, dizendo que medições do Projeto de Defesa “apresentam preocupações grandes e sem precedentes com as consequências do desastre nuclear de Fukushima”.
O governo não ignorou totalmente os apelos dos cidadãos; ele concluiu recentemente testes aéreos no leste do Japão, incluindo Tóquio. Mas vários especialistas e ativistas disseram que os testes dificilmente são sensíveis o suficiente para serem úteis para encontrar micropontos de contaminação como os encontrados pelo grupo de cidadãos.
Kaoru Noguchi, chefe da seção de saúde e segurança de Tóquio, argumenta que os testes já realizados são suficientes. Devido ao volume de construções em Tóquio, ela disse, o material radioativo muito provavelmente caiu em concreto e depois foi lavado. Ela também disse que a exposição provavelmente foi limitada.“Ninguém permanece em um ponto o dia todo”, ela disse. “E ninguém come terra.”
Os moradores de Tóquio já sabiam logo após o acidente de 11 de março, quando um tsunami desativou os sistemas cruciais de refrigeração da usina de Fukushima, que estavam sendo expostos a materiais radioativos. Os pesquisadores detectaram um pico nos níveis de radiação em 15 de março. Então com a chuva na noite de 21 de março, o material radioativo voltou a cair na cidade.
Na semana seguinte, entretanto, a radioatividade no ar e na água caiu rapidamente. A maioria das pessoas na cidade deixou sua preocupação de lado, com alguns zombando abertamente daqueles –principalmente estrangeiros– que fugiram de Tóquio nos primeiros dias do desastre.
Mas nem todos estavam convencidos. Alguns moradores de Tóquio compraram dosímetros. O Projeto de Defesa contra Radiação, que nasceu de uma página de discussão no Facebook, decidiu ser mais ativo. Em consultas ao Instituto de Pesquisa de Isótopos, com sede em Yokohama, os membros coletaram amostras de solo próximas de suas casas e as submeteram a testes.
Alguns dos resultados foram chocantes: a amostra que Hayashida coletou sob os arbustos próximos do campo de beisebol de seu bairro, em Edogawa, registraram quase 138 mil bequeréis por metro quadrado de césio 137 radioativo, que pode danificar as células e levar a um maior risco de câncer.
Dentre as 132 áreas testadas, 22 estavam acima de 37 mil bequeréis por metro quadrado, o nível registrado nas zonas contaminadas em Chernobyl.
Edwin Lyman, um físico da União dos Cientistas Preocupados, em Washington, disse que a maioria dos moradores próximos de Chernobyl estava sem dúvida em pior situação, cercados por ampla contaminação em vez de pontos de contaminação isolados. Mas ele disse que o número de 37 mil bequeréis por metro quadrado continua sendo um bom ponto de referência para limpeza obrigatória, porque uma exposição regular a tamanha contaminação poderia resultar em uma dosagem de mais de 1 milisievert por ano, o máximo recomendado para a população pela Comissão Internacional de Proteção Radiológica.
O ponto mais contaminado no levantamento da Defesa contra Radiação, perto de uma igreja, estava bem acima do nível de 1,5 milhão que obrigou um reassentamento obrigatório em Chernobyl. O nível é tão mais alto do que em outros resultados do estudo, o que levanta a possibilidade de erro no teste, mas micropontos de contaminação não são incomuns após desastres nucleares.
A imprensa relativamente obediente, que tem a tendência de relatar os pronunciamentos do governo em vez de movimentos populares, em grande parte ignorou os resultados do levantamento do grupo.
“Todo mundo apenas quer acreditar que este é um problema de Fukushima”, disse Kota Kinoshita, um dos líderes do grupo de cidadãos e um ex-jornalista de televisão. “Mas se o governo não busca seriamente descobrir, como podemos confiar nele?”
Hideo Yamazaki, um especialista em análise ambiental da Universidade Kinki, no oeste do Japão, realizou seu próprio levantamento da cidade e diz que ele também descobriu níveis elevados na área onde está localizado o campo de beisebol.
“Os resultados são bastante localizados, de modo que não há motivo para pânico”, ele disse. “Ainda assim, há medidas que o governo deveria estar tomando, como a descontaminação dos pontos mais graves.”
Desde então, surgiram outras sugestões de que os pontos de contaminação estão muito mais disseminados do que se imaginava.
No mês passado, uma subprefeitura de Tóquio encontrou uma pilha de folhas para compostagem em uma escola registrando mais de duas vezes o nível permitido legalmente pelo Japão para compostagem.
Na quarta-feira, os civis que testaram a cobertura de um prédio de apartamentos na cidade próxima de Yokohama – mais distante de Fukushima do que Tóquio– encontraram grandes quantidades de estrôncio radioativo na cobertura de um prédio. (Também ocorreu um alarme falso nesta semana, quando leituras elevadíssimas foram relatadas em Setagaya, em Tóquio; o governo disse posteriormente que provavelmente foram causadas por embalagens de rádio, antes amplamente usado para fazer tinta.)
Os testes aéreos do governo mostraram que apesar de quase toda Tóquio apresentar relativamente pouca contaminação, duas áreas mostraram leituras elevadas. Uma foi a área montanhosa no oeste da região metropolitana de Tóquio, e a outra cobria três distritos da cidade – incluindo aquele onde fica localizado o campo de beisebol.
O governo metropolitano disse que deu início aos preparativos para monitoramento dos alimentos provenientes das montanhas próximas, mas o governo reconheceu que há meses alimentos são enviados da área.
Hayashida, que descobriu o nível elevado no campo de beisebol, diz que ele não esperará mais por garantias do governo. Ele se mudou com sua família para Okayama, a cerca de 600 quilômetros de distância.
“Talvez pudéssemos ter permanecido em Tóquio sem problemas”, ele disse. “Mas eu optei por um futuro sem temor de radiação.”

Matthew L. Wald, em Washington (EUA), e Kantaro Suzuki, em Tóquio, contribuíram com reportagem.

Esta entrada foi publicada em Energia Nuclear, No mundo. Adicione o link permanente aos seus favoritos.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *


*