Ilha simboliza luta contra a energia nuclear no Japão

Publicado em 05 de setembro de 2011 na Folha de São Paulo.

Pescadores mantêm disputa contra uma indústria poderosa

Quando os barcos chegaram para iniciar as obras de uma nova usina nuclear perto desta pequena ilha, uma pescadora idosa chamada Tamiko Takebayashi realizou um protesto dramático: amarrou-se ao cais. “O mar é nosso sustento”, disse Takebayashi, 68, cuja família há várias gerações pesca pargos, cavalas e outros peixes. “Nunca vamos deixar ninguém sujá-lo.”
A batalha de Iwaishima tem tido uma notável repercussão em todo o Japão, especialmente entre os que, depois do desastre na usina atômica de Fukushima, sentem-se incomodados por terem aceitado durante décadas as garantias do governo de que a energia nuclear era uma alternativa segura. E, como os planos para a construção dessa usina são os que estão mais próximos de serem aprovados em todo o país, muitos ativistas antinucleares veem a luta da ilha como a maior esperança de livrar o Japão da dependência em relação à energia atômica.
O eventual arquivamento do projeto, acreditam eles, criaria um precedente para acabar com os planos de construção de mais usinas nucleares no Japão. A história da resistência em Iwaishima começou em 1982. A cidade de Kaminoseki – que engloba Iwaishima, duas ilhotas e a península de Murotsu, perto da ilha de Honshu, a principal do Japão- era um dos muitos lugares que pareciam prontos para a revitalização prometida pelo setor nuclear.
Por isso naquele ano, quando a Chugoku Electric Power Company aventou inicialmente a ideia de fazer uma usina atômica de 330 mil m2 na ponta da península, muitos moradores se entusiasmaram. “A cidade precisava do dinheiro”, disse Katsumi Inoue, 67, que liderou um movimento de apoio à usina. “Kaminoseki estava encolhendo. Precisávamos crescer.”
Mas os cerca de mil habitantes de Iwaishima, uma ilha distante apenas 4 km do local, não estavam convencidos. A cooperativa de pesca da ilha votou esmagadoramente contra a usina. Em uma manhã fria em janeiro de 1983, quase 400 moradores saíram pelas ruas em passeata.
Foi o primeiro de mais de mil protestos feitos pelos ilhéus – incluindo um em que os barcos pesqueiros confrontaram os navios da empresa energética no mar. Muitos homens da ilha haviam trabalhado em usinas nucleares em outros lugares, e voltaram trazendo histórias preocupantes. Kazuo Isobe, 88, esteve na década de 1970 na então recém-inaugurada usina de Fukushima. “Vi com meus próprios olhos que a radiação é difícil de conter”, afirmou Isobe. “Disse a todos na vizinhança para não concordarem com tudo o que dissessem.”
Ainda assim, a cidade de Kaminoseki, maior que Iwaishima, continuava apoiando o projeto, e desde 1983 sempre elege prefeitos pró-usina. A cidade foi bastante recompensada por tal apoio. Entre 1984 e 2010, Kaminoseki recebeu cerca de 4,5 bilhões de ienes (cerca de US$ 58 milhões, pelo câmbio atual) em subsídios do governo. Obteve também 2,4 bilhões de ienes (US$ 31 milhões) da empresa operadora da usina, segundo a imprensa local. Mas Iwaishima não desistiu. Os ilhéus apresentaram candidatos antinucleares à câmara municipal. A cooperativa pesqueira rejeitou sua parte na quantia oferecida pela companhia Chugoku Electric, algo em torno de 1 bilhão de ienes (US$ 13 milhões).
E, quando a empresa apresentou um estudo de impacto ambiental da usina ao governo central, manifestantes apontaram omissões, como a falta de menção às toninhas que se reproduzem em águas próximas. Os ilhéus também processaram a empresa energética, alegando que parte da usina ficaria em terras públicas; a Suprema Corte do Japão arquivou o processo em 2008, numa das várias derrotas judiciais para os ativistas.
Até que, num duro golpe em 2008, a Prefeitura de Yamaguchi, ente regional que controla alguns aspectos da construção da usina, autorizou a Chugoku Electric a iniciar obras de aterramento. Enquanto isso, em Iwaishima, a população havia diminuído para 479 pessoas, com idade média superior a 70 anos. “Está ficando difícil continuar lutando quando todo mundo usa bengala”, afirmou Hisako Tao, 70.
A maré mudou, porém, em 11 de março, quando um terremoto e um tsunami catastróficos destruíram a proteção da usina de Fukushima, causando um dos piores acidentes da história nuclear. O evento chegou a ser comparado ao desastre de Chernobyl, na Polônia. “Isso mudou tudo”, disse Isobe. Em julho, o governador de Yamaguchi declarou que não iria renovar a licença para as obras de aterramento.
E as cidades ao redor declararam sua oposição às obras. Até o prefeito de Kaminoseki sugeriu que o projeto poderia ter de ser abandonado. O novo presidente da Chugoku Electric diz que a empresa vai levar seus planos de construção da usina adiante. Mas o desastre de Fukushima tem aumentado o número de oponentes. “Vamos pará-los completamente”, disse Sadao Yamato, um dos líderes do movimento de protesto em Iwaishima. “É a melhor chance que tivemos em três décadas.”

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