Publicado em 02 de maio de 2005 na Folha de São Paulo.
ANGELA PIMENTA
da BBC Brasil, em Nova York
O secretário-geral da ONU, Kofi Annan, afirmou nesta segunda-feira que Estados não-nucleares –como o Irã– devem resistir à tentação nuclear, enquanto os Estados Unidos e a Rússia devem reduzir os seus arsenais.
A declaração foi feita no discurso de abertura de uma reunião com representantes de mais de 180 países em Nova York para revisar o Tratado de Não-Proliferação (TNP) Nuclear –um pacto firmado há 35 anos e que hoje se encontra “em um dilema”, segundo o chefe da agência nuclear da ONU, Mohamed el-Baradei.
Durante o encontro, segundo analistas, vários países devem cobrar mais esforços daqueles que já possuem armas nucleares para que se livrem delas, enquanto Washington e seus aliados devem procurar colocar o foco nos casos da Coréia do Norte e do Irã.
O secretário-geral da ONU propôs que EUA e Rússia “se comprometam –irreversivelmente– em fazer mais cortes em seus arsenais, de maneira de que eles sejam limitados a centenas e não a milhares”.
De acordo com o Tratado de Moscou, fechado em 2002, Washington e Moscou devem destruir entre 1.700 e 2.200 ogivas até 2012.
El-Baradei
Falando depois de Annan, Mohamed el-Baradei, diretor da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), defendeu a subordinação da produção de combustíveis nucleares ao controle multilateral, por meio de agências regionais e internacionais.
“Se não pudermos trabalhar juntos, o resultado dessa conferência será a inação”, disse Baradei.
El-Baradei disse também haver a necessidade de um “maior controle sobre as partes sensíveis do ciclo de combustíveis nucleares, atividades que envolvam o enriquecimento de urânio e a separação do plutônio”.
“Não há dúvida de que melhorar o controle sobre usinas capazes de produzir materiais que possam ser usados como armas ajudará a estabelecer uma melhor margem de segurança.”
Tal controle sobre a produção de combustíveis seria concedido à agência por meio do protocolo adicional ao tratado, que por enquanto só foi assinado por parte dos signatários do documento original.
O protocolo, que tem sido defendido pelos Estados Unidos, obrigaria, por exemplo, o Brasil a permitir inspeções completas em sua usina de enriquecimento de urânio em Resende (RJ).
Em sua proposta de metas a serem alcançadas pela conferência, El-Baradei reafirmou os objetivos do primeiro tratado de não-proliferação nuclear, de 1970, que, em longo prazo, estabelecem a eliminação de todo o arsenal nuclear global, além de propor tolerância zero para novos Estados que tentem desenvolver armas nucleares.
Baradei observou, no entanto, que todos os países devem ter assegurado o direito do uso da tecnologia atômica para fins pacíficos.
Era nuclear
Annan lembrou em seu discurso as origens da questão nuclear. “Em 1945, no ano em que as Nações Unidas foram fundadas, o nosso mundo entrou na era nuclear com as horríveis explosões de Hiroshima e Nagasaki”, lembrou.
“Logo depois, estávamos sob a Guerra Fria e a ameaça de aniquilação pendia sobre a humanidade. Aquela época perigosa pode ter terminado, mas as ameaças nucleares permanecem. De fato, desde que nos encontramos há cinco anos, o mundo despertou novamente para os perigos nucleares, tanto novos como antigos.”
Annan prosseguiu dizendo que uma importante ação multilateral foi tomada para reduzir o risco de terrorismo nuclear. Na resolução 1540, o Conselho de Segurança afirma a responsabilidade de todos os Estados para proteger materiais sensíveis e controlar a sua exportação.
“Nós não podemos nos permitir ser complacentes. Na verdade, a regulamentação não tem conseguido acompanhar a marcha da tecnologia e da globalização e o desenvolvimento de vários tipos (de tecnologias nucleares) que nos últimos anos colocaram (o Tratado de Não-Proliferação) sob grande estresse.”
Annan enumerou as ações que acredita ser necessárias para conter a ameaça nuclear. “Primeiro, você tem que reforçar a confiança na integridade do tratado, particularmente em face da primeira renúncia anunciada por um Estado (da Coréia do Norte). A menos que tais violações sejam abortadas diretamente, a mais básica confiança coletiva sobre a qual o tratado se ergue será seriamente questionada.”
Desde 2000, Cuba e Timor Leste aderiram ao Tratado de Não-Proliferação, mas em 2003 a Coréia do Norte abandonou o acordo. Além disso, Índia, Israel e Paquistão decidiram não aderir ao TNP.
De acordo com Annan, a segunda prioridade é “assegurar que as medidas para o cumprimento do acordo sejam mais eficazes a fim de manter a confiança de que os Estados estão cumprindo as suas obrigações”.
“Em terceiro lugar, vocês devem agir para reduzir a ameaça de proliferação não apenas para os Estados, mas também para os agentes não-estatais. À medida que os perigos de tal proliferação ficaram claros, os Estados estão obrigados universalmente a estabelecer medidas efetivas de fiscalização e controle nacional.”
Manifestação
Na manhã desta segunda-feira, cerca de cem manifestantes pacifistas japoneses fizeram um protesto em frente à sede da ONU. Eles integram a maior delegação nacional de representantes da sociedade civil presentes à reunião sobre o TNP.
“Viemos direto do Japão para dizer ao mundo dos horrores da bomba H”, disse à BBC Brasil o engenheiro Terumi Tanaka, um sobrevivente de Nagasaki e secretário-geral da ONG Confederação Japonesa das Vítimas da Bomba Atômica.
Além de representantes diplomáticos, a agenda da reunião inclui também discursos de sobreviventes como Tanaka das bombas atômicas lançadas pelos Estados Unidos em 1945 em Hisroshima e Nagasaki.
“Nossa mensagem é muito simples: nunca mais Hiroshima e Nagasaki. O mundo precisa nos ouvir antes que seja tarde”, concluiu Tanaka.