Fortaleza, 02 de outubro de 2011.
Ao Tribunal de Contas da União,
em razão da realização do Seminário Segurança Nuclear e Radiológica.
A Rede Brasileira de Justiça Ambiental e demais signatários da presente carta, gostariam, inicialmente, de elogiar a iniciativa do Tribunal, por promover debate público tão caro à sociedade brasileira.
De fato, se algumas questões relacionadas à temática nuclear estão ainda inseridas no campo da controvérsia (tais como a necessidade de usinas nucleares para o país, a dubiedade de atribuições da CNEN, os componentes militares por trás do discurso energético do programa nuclear brasileiro, etc), outras são consensuais. A necessidade de que haja uma comprometida avaliação dos riscos e impactos socioambientais decorrentes das atividades nucleares, bem como a de que sejam assumidas medidas que contemplem o princípio da precaução e garantam segurança à população, certamente são duas destas.
Se o mundo pauta os trágicos acidentes nucleares atuais, ocorridos em Fukushima e na França, como lições valiosas à reavaliação de suas políticas de fomento à energia nuclear, chega a hora do Brasil também assumir um debate democrático sobre os rumos de sua política nuclear.
Compreendemos, entretanto, que a iniciativa deste Tribunal tornou-se enfraquecida, ao furtar-se de contemplar a perspectiva dos grupos sociais diretamente afetados pelas atividades nucleares realizadas em nosso país.
Na mesa ora composta pelos representantes da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), das Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e da Eletrobras Eletronuclear (ETN), faltou a presença de um representante da Associação das Vítimas do Césio 137, que pudesse apresentar à estimada plenária deste Seminário a tragédia que acometeu sua cidade, em 1987, sob o prisma da precariedade de estrutura do governo federal e de suas agências ao lidar, à época, com o acidente, bem como relatar o descaso ainda hoje sofrido pelas vítimas de Goiânia quando buscam assistência médica a que deveriam ter direito.
Acreditamos que poderia também ter sido convidada a compor a mesa uma representação da Sociedade Angrense de Proteção Ecológica (Sapê), conhecida internacionalmente por visibilizar denúncias sobre falhas e acidentes havidos nas usinas nucleares sitas em Angras dos Reis. Haveria sido de imensa utilidade aos presentes se pudessem ter partilhado das informações acumuladas sobre a crítica aos procedimentos de licenciamento ambiental das usinas e sobre as deficiências nas medidas de segurança julgadas necessárias e reivindicadas por esse grupo há mais de quatro décadas.
Outro convite importante que o Tribunal omitiu-se de fazer para composição da mesa foi a de representantes das comunidades atingidas pela mineração de urânio em Caetité, Bahia. Durante o primeiro ano de funcionamento da Unidade de Concentrado de Urânio das Indústrias Nucleares do Brasil, em 2000, segundo levantamento realizado pela Relatoria DHESCA para o Direito Humano ao Meio Ambiente, ligada à Organização das Nações Unidas, o empreendimento teve suspensa a Licença de Instalação, em virtude do vazamento de 5 milhões de litros de licor de urânio. Entre janeiro e junho de 2004, houveram mais sete transbordamentos. Em junho de 2008, o Ministério Público Federal impetrou Ação Civil Pública, subsidiada em estudos realizados pela USP, em que solicitava a imediata suspensão das atividades da INB. O Relatório da Missão Caetité, aliás, será lançado no dia 06/10, em audiência pública a se realizar na Comissão de Meio Ambiente da Câmara Federal, em Brasília. Seguramente, visibilizar as informações que ele contém sobre as violações a direitos humanos no eixo da mineração de urânio teria sido essencial ao aprofundamento do debate público a que se dispuseram os respeitados palestrantes e público aqui presente.
Haveria ainda mais grupos ou sujeitos sobre os quais poderíamos anunciar o sentimento de ausência, mas consideramos inapropriado ampliar nosso já exausta listagem, haja visto que, certamente, não fôra por desconhecimento deste douto Tribunal que tais grupos ora não se fazem representados.
Denunciamos, assim, o contexto de injustiça ambiental que assola aqueles mais diretamente impactados pelas atividades nucleares promovidas em nosso país. Excluídos dos espaços decisórios sobre as transformações que o programa nuclear brasileiro impõe aos seus territórios, tais sujeitos e coletividades assumem uma parcela desproporcional das consequências ambientais negativas dessas operações e sofrem também com o restrito acesso às informações relevantes sobre o uso dos recursos ambientais, a destinação de rejeitos e localização de fontes de riscos ambientais.
Envolvê-los na discussão sobre segurança nuclear e radiológica não significaria, apenas, aportar a riquíssima contribuição que a perspectiva dos atingidos atribuiria ao debate. Consistiria, mais exatamente, no reconhecimento de que tais sujeitos e coletividades assumem um papel essencial na promoção da saúde humana e ambiental, na vigilância e no controle social que os empreendimentos nucleares demandam.
Apontamos, então, para a necessidade de construirmos um quadro de vida futuro no qual essa dimensão ambiental da injustiça social venha a ser superada, e em que seja valorizado – e incentivado pelos agentes públicos – o envolvimento da sociedade brasileira nas discussões que lhe dizem diretamente respeito.
Atenciosamente,